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A águia


Perto de mim arrasta sua asa uma águia

Quer apossar-se de meu espírito ovino

Quer consumir minhas entranhas estranhas

Quer fixar-me perto das nuvens nas alturas

Mas minha comodidade luta contra as garras

Dessa rapina, apoiada por minha preguiça inata.

A rapina ufana  mostra-me as alturas

Onde reina soberana, com seus olhos penetrantes

Inebriados de autonomia e independência.

Quer comer meu fígado e meu cérebro

Desgastado, oco, carcomido pelas conveniências,

Pelas representações de atores que fingem viver…

Esta astuta quer que eu nasça de novo!

Está a águia sentada sobre o penhasco

Comendo minhas pernas que arrancou

Para que eu aprenda a caminhar sem elas,

Quer agora arrancar meus olhos

A dizer-me, que para viver bem,

Não basta apenas apreciar a paisagem,

É preciso aprender a imaginar o que

Há para além do horizonte…

Esta águia quer que eu ocupe seu lugar no cume

Pois no penhasco já sente ciúme das nuvens,

Quer mais altura, quer o indecifrável, o indefinível…

E eu assombrado com a pequenez do homem

Que visualizo aqui de seu ninho, tão pequenos,

Tão mesquinhos e aparentes seus objetivos.

Quando estive perto deles eram incomensuráveis,

Ao longe agora, no panorama, não passam de cisco,

O que era profundo não passa de raso, prolixo, bestial…

É a velha águia que deixa-me assim, esta sedutora,

Cruel e fria como a verdade e as águas do rio da realidade.

Agora pouco largou perto de mim um arroto, lançando

Para fora pedaços de uma batina e uma gravata

E limpou seu expurgo com as páginas de um livro

Que tinham em mãos, aqueles, que há pouco deglutiu.

Posada sobre a beira do penhasco largou um grunhido

Estridente que aterrorizou a distância os pequenos homens,

Pois eles sabem que a velha águia quer mais cordeiros

Para seu banquete, quer transmutar a essência ovina

Para a essência do lobo, destruidor de rebanhos…

 
 
 

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