A águia
- Davi Roballo
- 29 de mar. de 2013
- 2 min de leitura

Perto de mim arrasta sua asa uma águia
Quer apossar-se de meu espírito ovino
Quer consumir minhas entranhas estranhas
Quer fixar-me perto das nuvens nas alturas
Mas minha comodidade luta contra as garras
Dessa rapina, apoiada por minha preguiça inata.
A rapina ufana mostra-me as alturas
Onde reina soberana, com seus olhos penetrantes
Inebriados de autonomia e independência.
Quer comer meu fígado e meu cérebro
Desgastado, oco, carcomido pelas conveniências,
Pelas representações de atores que fingem viver…
Esta astuta quer que eu nasça de novo!
Está a águia sentada sobre o penhasco
Comendo minhas pernas que arrancou
Para que eu aprenda a caminhar sem elas,
Quer agora arrancar meus olhos
A dizer-me, que para viver bem,
Não basta apenas apreciar a paisagem,
É preciso aprender a imaginar o que
Há para além do horizonte…
Esta águia quer que eu ocupe seu lugar no cume
Pois no penhasco já sente ciúme das nuvens,
Quer mais altura, quer o indecifrável, o indefinível…
E eu assombrado com a pequenez do homem
Que visualizo aqui de seu ninho, tão pequenos,
Tão mesquinhos e aparentes seus objetivos.
Quando estive perto deles eram incomensuráveis,
Ao longe agora, no panorama, não passam de cisco,
O que era profundo não passa de raso, prolixo, bestial…
É a velha águia que deixa-me assim, esta sedutora,
Cruel e fria como a verdade e as águas do rio da realidade.
Agora pouco largou perto de mim um arroto, lançando
Para fora pedaços de uma batina e uma gravata
E limpou seu expurgo com as páginas de um livro
Que tinham em mãos, aqueles, que há pouco deglutiu.
Posada sobre a beira do penhasco largou um grunhido
Estridente que aterrorizou a distância os pequenos homens,
Pois eles sabem que a velha águia quer mais cordeiros
Para seu banquete, quer transmutar a essência ovina
Para a essência do lobo, destruidor de rebanhos…
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