A ESPERANÇA
- Davi Roballo
- 12 de out. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de dez. de 2021

A esperança é o derradeiro mal; é o pior dos males, porquanto prolonga o tormento. Friedrich Nietzsche
Na vida cotidiana que levamos, poucos de nós cogita pensar nos significados que carregam as palavras, o que empreende o campo etimológico, semântico, histórico e filológico. Quando movidos pela curiosidade esbarramos na origem e derivações das palavras que pronunciamos com propriedade, sem ao menos saber o real significado que possuem na vida de cada um de nós.
A esperança está entre as mais enigmáticas e significativas palavras que compõem o vernáculo universal. Para melhor compreendermos precisamos adentrar seu significado na doutrina cristã e na mitologia grega, visto que dos gregos os romanos se apropriaram dos deuses e mitos mudando apenas os nomes em um sincretismo que corre nas águas da civilização ocidental até hoje, que o diga a Igreja Católica como mãe de todas as demais religiões do ocidente.
No cristianismo juntamente ao amor e a fé ela faz parte das três virtudes da teologia cristã, ou seja, amar, confiar e esperar a vida eterna, mesmo que essa vida esteja mergulhada em especulações e imaginações distópicas.
Na concepção cristã a esperança aproxima o homem de Deus, ao passo que ele baseado na fé deposita toda sua expectativa em dias melhores, ou seja, a aspiração de felicidade futura em detrimento a vida terrena do presente.
Para alguns estudiosos do comportamento humano é através da manipulação da esperança cristã que sacerdotes e demais líderes religiosos escravizam mentes enquanto esvaziam os bolsos de seus fiéis com o consentimento dos mesmos, como se eles dissessem: tirem tudo de nós, mas nos dê uma esperança de dias melhores, mesmo que seja além túmulo.
Quanto a esperança em relação a este mundo imediato, ela é manipulada por estelionatários e políticos que através de promessas iludem, fraudam e usurpam com aval de seus eleitores através do sufrágio dos mesmos.
O mais interessante desse enredo se faz notar que a vaidade de mãos dadas com a ganância é propulsora da esperança, bem como a não aceitação das coisas como elas são, como também se trata de uma espécie de negação desse mundo do aqui e agora.
Por outro lado, na Mitologia Grega, a esperança é considerada como único dos males que restou na caixa de Pandora.
Após as guerras da Titanomaquia, os Titãs Prometeu e seu irmão Epimeteu juraram lealdade à Zeus e aos demais deuses olímpicos ao ficarem ao seu lado durante a guerra entre os titãs.
Como recompensa por sua lealdade, Zeus deixou que Prometeu e Epimeteu criassem as primeiras criaturas para viver na Terra. Epimeteu criou os animais e deu a cada um uma habilidade especial e uma forma de proteção.
Prometeu por sua vez, demorou mais tempo, moldando o homem do barro e da água, e quando ele terminou já não havia sobrado nenhuma proteção para dar ao homem, pois seu irmão havia usado todas nas criaturas por ele criadas.
Prometeu sabia que o homem precisava de algo para se proteger, ele queria que sua criatura se sobressaísse entre todos os animais, foi então que ele perguntou à Zeus se poderia deixar o homem utilizar o fogo. Zeus negou seu pedido, dizendo que o fogo pertencia apenas aos deuses. Contrariado, Prometeu foi ao Olimpo e roubou o fogo e o deu ao homem.
Prometeu sabia que não ficaria impune, visto que ele possuía o poder de ver o futuro e o seu destino era ser condenado de forma cruel.
Prevendo ser punido aconselhou o seu irmão Epimeteu a não receber nenhum presente dos deuses, pois a sua desgraça não seria o suficiente para satisfazer a fúria de Zeus, por tamanha deslealdade.
Zeus após aprisionar Prometeu em uma pedra no Monte Cáucaso - no qual foi condenado a sofrer por trinta mil anos a pena de ter todos os dias uma águia comendo seu fígado, que crescia novamente durante a noite. -, ordenou que Hefestos - o deus forjador e inventor – criasse a primeira mulher da humanidade. Zeus a chama de Pandora.
Muito bela Pandora impressiona os deuses do Olimpo, que a presenteiam, Afrodite lhe deu a beleza, Hermes lhe concedeu o poder da palavra, Atena a inteligência etc.
Zeus acreditava que o homem também tinha culpa por aceitar o dom do fogo de Prometeu, e, para puni-lo, Zeus ordena que Hermes entregue Pandora como presente a Epimeteu, mas antes dela partir o todo poderoso do Olimpo entrega a ela uma belíssima caixa dizendo ser um presente dele para os homens, mas que não abrisse ela em hipótese alguma.
Epimeteu diante da beleza e graça da bela jovem ignorou a advertência do irmão e aceitou o presente do rei dos deuses, tomando Pandora como esposa.
Certo dia pandora totalmente encantada com a beleza da caixa resolveu abri-la e imediatamente uma névoa negra começou a sair dela. Sem saber Pandora havia liberado todos os males que passaram a afligir a humanidade, desde então, a velhice, o trabalho, a doença, a loucura, a mentira e a paixão, passaram a fazer parte da vida dos homens.
Pandora ao perceber seu erro fechou rapidamente a caixa e dentro dela ficou somente a esperança, uma das formas de punição dos deuses aos homens, pois, segundo Nietzsche “Zeus quis que os homens, por mais torturados que fossem pelos outros males, não rejeitassem a vida, mas continuassem a se deixar torturar. Para isso lhes deu a esperança: ela é na verdade o pior dos males, pois prolonga o suplício dos homens” [[1].
Enfim, por um lado ou outro, a verdade é que a esperança é aquilo que nos faz suportar as exigências e atribulações da vida. Se ela é uma maldição ou uma benção cabe a cada um refletir sobre isso, visto que, viver não é para amadores, e, além do mais, possuímos o livre arbítrio para usar as ferramentas disponíveis para tornar a existência um tanto mais leve.
[1] NIETZSCHE, Friedrich W. Humano Demasiado Humano (tradução de Paulo Cezar de Souza). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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