A vida de aparências
- Davi Roballo
- 10 de out. de 2016
- 3 min de leitura

Imagine um ser humano que desde o nascimento seja vigiado por câmeras de TV ao vivo, com imagens transmitidas a mais de um bilhão de pessoas, que sabem mais da vida dele do que as próprias. Um homem vivendo em uma cidade cenográfica tendo como realidade as situações a ele apresentadas por um diretor de televisão, que ele não conhece, nunca viu, um mundo de fantasias com único e delicado detalhe: somente ele não sabe disso.
O show de Truman, obra cinematográfica dirigida por Peter Weir, tendo como protagonista Jim Carrey lançado no ano de 1998, leva o espectador a serias reflexões sobre as relações humanas eivadas de mentiras, enganos e decepções. Traz ainda, a triste realidade de que prestamos mais atenção na trama de uma novela, de uma série de TV, na vida do vizinho e de parentes porque isso é mais interessante do que viver e encarar a própria vida, pois se tivermos de vivê-la, teremos de expor também nossas falhas, nossas fraturas, tudo aquilo que não é aceitável em um mundo de aparências.
Ao assistir o referido filme, o espectador pode achar um exagero e pensar que isso seria impossível, no entanto, as mesmas mentiras e os mesmos enganos que Truman enfrenta em seu mundo fictício é uma cópia do mundo que julgamos real, tão real quanto Truman julga o seu.
Atualmente no mundo moderno, estamos atravessando tempos tão difíceis, que na batalha que travamos com a vida no dia a dia, a verdade não está sendo mais do que um soldado raso que limpa as botas da mentira. A verdade está deixando de ser essencial até a respeito de nós mesmos, pois estamos sendo arrastados pelo mundo das aparências, do faz de conta em busca de representar uma idealização bem aquém daquilo que realmente somos, estamos nos convertendo em especialistas em mentiras ao mentir para nós mesmos.
Truman ou o homem de verdade, representa o típico e pacato cidadão que tem a vida dirigida pelo que vê na televisão, ouve no radio, lê nos jornais e pelo que a internet lhe proporciona. É o cidadão alheio a própria capacidade de analisar o contexto, o tempo e o espaço onde está inserido, ou seja, é levado ao sabor das aparências e das conveniências, não possui vida própria, mas uma vida de gado.
O escritor uruguaio Eduardo Galeno, quando vivo já alertava seus leitores sobre o perigo que representa deixarmos de ser aquilo que somos, para mergulhar em um mundo faz de conta, mundo das aparências, mundo no qual as coisas, ritos e costumes estão perdendo o seu real significado: “Vivemos em plena cultura da aparência; o contrato de casamento importa mais que o amor, o funeral mais que o morto, as roupas mais do que o corpo e a missa mais do que Deus”.
Dando continuidade a discussão sobre o mundo de aparências, para que percebamos o que ocorre silenciosamente em nossas relações recorro ao sociólogo polonês Zigmunt Bauman, que afirma que estamos vivendo em mundo no qual as nossas relações são liquidas, moldáveis ao sabor das exigências das situações, ou seja, nossas relações estão deixando de ser sólidas, pois o sujeito moderno está tomado de um egoísmo extremo ao buscar somente o seu prazer, e assim sendo, não tem tempo nem espaço em sua agenda individualista para o diálogo, o grande responsável pela manutenção de nossas solidas relações. Ao sujeito moderno se tornou mais fácil se moldar a outra situação do que consertar e admitir as falhas em suas relações.
Nossas relações ao passo que se tornam liquidas entram no mundo das aparências, pois não existe nada de permanente em seu contexto, mas apenas um vazio, pois a todo o momento deixam de existir para dar lugar a uma nova moldação temporária. Embora nos custe admitir, ao passo que nos permitamos viver em um mundo de aparências e suas relações liquidas, nos tornamos vazios. Nesse contexto os responsáveis por toda angústia e insegurança emocional em que atualmente vivemos, somos nós mesmos.
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