AQUILO QUE PAREÇO SER NUNCA FUI E SE FUI DEIXEI DE SER
- Davi Roballo
- 27 de jun. de 2021
- 1 min de leitura
Atualizado: 28 de jun. de 2021

Aproxima-se a noite sorrateira como sempre fora.
Ontem fui menino, depois menino homem
E hoje como homem feito
Percebo que já ultrapassei o meio-dia de minha caminhada.
Subi os montes da vida e agora na meia idade
No alto dos cumes sinto inveja das nuvens,
Que vão livres sem direção e sem formas definidas
Para onde sopra o vento.
Com mil antepassados presos em meu calcanhar
E manchado, encardido pela tradição, pelos hábitos,
Pela cultura e pelos costumes
Posso avistar ao longe - ainda que perto,
O entardecer de meus dias
E logo atrás a escuridão da noite,
Da qual ninguém retornou
Para anunciar o que há para além
Do muro dos mistérios.
Com os olhos castigados pela maresia dos dias
E pelas noites insones
Olho para as paisagens pretéritas
E percebo o tanto de gente e acontecimentos
Que arrastei até aqui comigo.
Tento de todas as formas livra-me disso tudo,
Mas percebo que o esforço é em vão,
Quando me vejo neles e eles nas minhas artérias
Navegando insanamente como bárbaros conquistadores
No que acredito ser meu sangue.
Há um desejo ardente em ser eu mesmo,
Mas a impossibilidade guarda a porta dos
Mistérios que compõem a vida.
Um lapso de pensamento me ocorre:
Tudo aquilo que pareço ser nunca fui,
E se fui deixei de ser, tal é vida,
Esse rio que corre alterando seu fluxo em direção ao mar,
Porque nele não existe mais a possibilidade de ser rio,
Apenas imensidão, esquecimento e anonimato.
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