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AQUILO QUE PAREÇO SER NUNCA FUI E SE FUI DEIXEI DE SER

Atualizado: 28 de jun. de 2021



Aproxima-se a noite sorrateira como sempre fora.

Ontem fui menino, depois menino homem

E hoje como homem feito

Percebo que já ultrapassei o meio-dia de minha caminhada.


Subi os montes da vida e agora na meia idade

No alto dos cumes sinto inveja das nuvens,

Que vão livres sem direção e sem formas definidas

Para onde sopra o vento.


Com mil antepassados presos em meu calcanhar

E manchado, encardido pela tradição, pelos hábitos,

Pela cultura e pelos costumes

Posso avistar ao longe - ainda que perto,

O entardecer de meus dias

E logo atrás a escuridão da noite,

Da qual ninguém retornou

Para anunciar o que há para além

Do muro dos mistérios.


Com os olhos castigados pela maresia dos dias

E pelas noites insones

Olho para as paisagens pretéritas

E percebo o tanto de gente e acontecimentos

Que arrastei até aqui comigo.


Tento de todas as formas livra-me disso tudo,

Mas percebo que o esforço é em vão,

Quando me vejo neles e eles nas minhas artérias

Navegando insanamente como bárbaros conquistadores

No que acredito ser meu sangue.


Há um desejo ardente em ser eu mesmo,

Mas a impossibilidade guarda a porta dos

Mistérios que compõem a vida.


Um lapso de pensamento me ocorre:

Tudo aquilo que pareço ser nunca fui,

E se fui deixei de ser, tal é vida,

Esse rio que corre alterando seu fluxo em direção ao mar,

Porque nele não existe mais a possibilidade de ser rio,

Apenas imensidão, esquecimento e anonimato.


 
 
 

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