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Catástrofe no formigueiro



Certa vez, numa determinada linha do tempo, num local chamado de Terra Onírica, onde o sonho confundia-se com a realidade e vice versa, existia entre seu povo uma lenda: num determinado período, um cavaleiro desafiou uma bruxa augure, possuidora de poderes formidáveis a lhe mostrar suas faculdades, pois ele cético que era, não acreditava em suas habilidades e estava sempre a pronunciar a todos nas rodas de conversa, que as historietas em torno da feiticeira não passavam de quimeras.

A velha bruxa, sabendo disso, tratou logo de lhe armar uma cilada e num dia em que o cavaleiro estava a galopar pelos arredores de Onírica, seu cavalo espantou-se com o revoar de um pássaro, jogando-o no chão, vindo a ficar inconsciente por horas por efeito da violenta queda. Quando finalmente acordou, uma surpresa lhe aguardava: Sofia, a terrível estava a lhe observar e num tom de ironia lhe fala:

– Como ousas cavaleiro, falar de coisas que estão distante de tua compreensão? Portanto saiba, que pelo despautério que cometeu, transformá-lo-ei em uma formiga operária, pois se tens tempo para questionar coisas que fogem ao teu entendimento, deve empregá-lo melhor para o trabalho, e cansado, não terás mais ocasião para exercer tua petulância. Entretanto, para agravar teu castigo, continuarás pensando e agindo como humano.

O cavaleiro num ato de repúdio tentou desembainhar sua espada, todavia, não houve tempo, pois num lance extraordinário e inefável a velha bruxa, ao lhe impor as mãos, transformou-o numa formiga Saúva com uma enorme mancha branca da cabeça, lançando-o imediatamente em um formigueiro. Logo que lá chegou, com toque de antenas uma operária com feronomas o reaprendeu por estar parado, enquanto seus agora patrícios estavam a transportar nas costas, pesos, dezenas de vezes mais pesados que seus escanifrados corpos. A mesma formiga após dar-lhe a bronca regurgitou e vomitou em sua boca (trofilaxia) uma porção de alimentos que teve de engolir forçadamente sem entender do que se tratava.

Passaram se alguns dias e para o antigo cavaleiro somente havia trabalho e indignação, por ser uma formiga operária como todas as outras, nada podia fazer a não ser trabalhar para o bem geral de todos. Irritado, orgulhoso e vaidoso, não se aceitava como uma formiga negava-se ao trabalho coletivo e a igualdade comunista que havia naquele aglomerado de formigas, -as quais julgava- como cegos conduzindo cegos, alegando que só trabalhavam sem direito a descanso e a lazer. Decidiu que teria de mudar aquele cenário, pois considerou as formigas muito inocentes em aceitar que somente a rainha comesse bem e tivesse vida longa, não aceitava não ter relações sexuais, PIS as formigas operarias não tem sexo. Para conquistar adeptos para a sua ideologia, incitava suas companheiras espalhando feronomas com odores de que eles não desfrutavam do direito de outras regalias, como uma melhor alimentação, que eram privilégio exclusivo da rainha dirigente do formigueiro, e que na verdade não existiam. Haviam sido construídas para complementar seus planos.

Numa dada oportunidade, aquela criatura resolveu colocar em prática todo o seu conhecimento humano de persuasão, e organizou em apenas alguns dias um levante, constituído de greves, protestos, pancadarias e ultrajes contra a rainha, a espalhar pelas vias do formigueiro, feronomas de ordem e desprezo a ela, chamando-a de burguesa e câncer de dilaceração da classe proletária. Intimava todos os que encontrava a aderir a causa, que nenhuma formiga sabia direito porque lutava, nem mesmo o ex-cavaleiro, que na verdade, dirigiu para a rainha todo o seu descontentamento pessoal, por ter sido transformado em uma formiga.

A fama daquele ex-cavaleiro, agora formiga operária, correu de forma tão rápida pelos setores do formigueiro, que em pouco tempo já haviam se constituído vários partidos políticos, defendendo suas idéias na forma que haviam compreendido e todos almejavam tomar o poder, pois agora se achavam uns melhores do que os outros.

A revolução, através de sua rápida aceitação, causou a estagnação das formigas operárias, que passaram a reivindicar pagamento pelos serviços realizados, como a fertilização dos canteiros de fungos e o trato a  rebanhos de afídeos (pulgões) esquecendo-se da vida comunitária que levavam. Essa paralisação possibilitou a rápida urbanização em forma de favelas, pois a formigas responsáveis pela escavação estavam de braços cruzados e a cada dia nasciam milhares de novas formigas. A desordenação da ordem natural e a transvaloração formigal fez as formigas escolherem o sexo, não tendo mais a supremacia das fêmeas, o formigueiro agora tinha machos e o ato sexual passou a ser um prazer, tirando também a exclusividade de reprodução da rainha. Os novos valores e a destruição do pensar coletivo  e o despreparo diante de uma nova ordem proporcionaram o surgimento da prostituição, do abuso sexual infantil, do suicídio, do uso de drogas, do infanticídio, da criminalidade, da corrupção etc. Questões até então apenas vistas no mundo dos homens.

Os novos valores trouxeram o surgimento de uma nova área do pensamento formigal, ou seja, o pensamento religioso, que buscava entender os processos decorrentes. Anteriormente as formigas não tinham a preocupação em saber de uma vida futura, elas amavam a Terra e por amá-la estavam a desfrutar de suas benesses a mais de 150 milhões de anos, enquanto milhares de espécies haviam sucumbido. Seu grande segredo de longevidade como espécie era  viver a vida no presente, como se o aqui agora fosse o último momento. Mas desde o surgimento da questão religiosa surgiram conflitos na comunidade e nas famílias constituídas. Pais entraram em conflitos com os filhos e vice-versa, divergindo cada um da opinião do outro, devido ao surgimento de uma crença e ela ter se transformado em ramificações dissidentes, cada um interpretando a sua maneira, as origens e o destino das formigas, nascia assim à cosmogonia formigal. Os dirigentes dessas recém criadas religiões, desde então, guardaram para si o que designavam de verdades, monopolizando-as, como forma de manter perene o fluxo de seus fiéis, que, aliás, passaram a render-lhes muito lucro, através da colaboração de percentagem de seus salários, nascia assim a fé e, vergonhosamente com um preço.

Em poucas semanas, aquele formigueiro que antes da chegada daquela criatura, com pensamentos e ações humanas, era um manancial de paz configurada na harmonia e no bom entendimento, com relações sociais muito bem resolvidas, com todos se entendendo e comungando de um mesmo ideal, tinha se transformado num caos insuportável, com todos se agredindo pelo reflexo das idéias humanas que haviam sido incutidas naquela sociedade, que até então era politicamente correta.

Assim, a discordância, a mentira, a ambição, a prepotência etc., surgiram nos quatro cantos do formigueiro, que teve um triste fim, onde seus habitantes dizimaram-se uns aos outros, na disputa pelo poder político de mando e pela posse absoluta e exclusiva da verdade em relação à religião. Salvando-se somente aquela criatura que havia sido humana. Dias após o desfecho final da catástrofe, aquela criatura, foi vista entrando em outro formigueiro… Mas já não era mais a mesma. A experiência foi primaz para que observasse e avaliasse onde errou e onde deveria investir sua astucia para que dominasse o maior numero de formigas possível…

 
 
 

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