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E se fosse você?

E se fosse você?

Acordei há dias com uma questão: o que ocorreria se todos os cidadãos comuns tivessem como garantia a impunidade por crimes cometidos, como ocorre com a maioria dos políticos que agem como se vestissem um manto de invisibilidade? Confesso ao leitor que causaram-me espanto as imagens que de imediato vieram-me a mente. Imaginei-me invisível e muitas foram as ideias e vontades que vieram e pediam-me que as alimentasse.  Num átimo resolvi deixar de imaginar-me invisível, pois o monstro que há dentro de mim -e eu não sabia-, assustou-me. Foi então que rememorei a lenda do Anel de Giges.

Segundo Platão, Glauco em “A Republica” ao discutir com Sócrates sobre justiça, mais especificamente sobre o homem justo e o homem injusto, remete o velho mestre a fábula do Anel de Giges. Conta tal fábula que determinado dia o pastor Giges, leal servidor do rei de Lidia, após um terremoto encontrou uma grande fenda na terra e dentro desta um gigantesco cavalo de bronze onde dentro jazia um cadáver humano com um anel de ouro do qual se apossou. Com o tempo descobriu que ao colocar o adorno do anel virado para o lado interno da mão imediatamente se tornava invisível. De posse de esse poder e sem ninguém para monitorá-lo, começou a praticar más ações, tornou-se amante da rainha e junto com ela tomou o reinado colocando-se como o novo soberano de Lidia, que a tudo sabia e fazia para manter-se no poder.

Glauco chega à conclusão de que o homem justo e o homem injusto são diferentes apenas quando se pode observar seus atos. Mas quando tomados pelo anonimato ou invisibilidade onde estarão a sós, sem ninguém para monitorá-los, os dois são iguais. Isto é, se comportam da mesma forma que Giges deixando-se levar pelas paixões e dizendo isso, pede a Sócrates que prove o contrário. Segundo Platão, Sócrates provou a Glauco e aos atenienses de que somente o homem que realiza o que é certo e justo consegue ser feliz, porque o comportamento tem sua própria recompensa.

Há muito o anel de Giges tem levado filósofos e gente comum a refletir sobre a delicada questão humana que é a moral e a própria natureza do ser. Muitas perquirições têm surgido então: até onde os regulamentos, convenções, regras e leis podem nos segurar? O ser cometeria crimes tendo como garantia a impunidade e o anonimato? Sócrates realmente tem razão ou seu discurso não passa de retórica? O certo e o justo é ou não é aquilo que nos convém dentro dos parâmetros de nossa formação social, religiosa e política?

Se a questão da invisibilidade do anel de Giges fosse proposta a grupo de pessoas como algo possível, e perguntado a cada o que faria com o poder dado pelo anel que lhe daria o anonimato e a impunidade, a grande maioria pressionada pelas questões morais e convenções sociais do teatro da vida responderia que faria somente coisas boas. No entanto, sem especificar se essas coisas boas seriam em beneficio próprio em detrimento a outro. Uma minoria, talvez os mais francos ou gaiatos apontaria a opção de assaltar um banco, seguir o esposo (a) para certificar-se de sua fidelidade etc..

A polêmica toda se dá em torno desta questão porque sabemos intrinsecamente que somos parte de uma natureza individualista e egoísta “pouca farinha meu pirão primeiro”. A gênese desse estado de espírito acreditam alguns, seja totalmente genética e decorre pela perpetuação de nossos genes diante do processo de seleção natural, onde a sobrevivência é a maior prioridade.


Com a instituição do Estado e da sociedade e com isso a facilidade da vida, os mesmos instintos primitivos de sobrevivência se adaptaram para que sobrevivamos dentro desses sem problemas. Não percebemos isso por que não nos avaliamos, isto é, não nos conhecemos. E diante da questão “o que você faria se pudesse ser invisível tendo a garantia do anonimato e da impunidade?”, creio que a resposta mais sensata seria “não sei”, pois, nossos instintos ainda parecem nos comandar.

E se fosse você?

 
 
 

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