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Inquietações sobre o viver e o existir




Existe uma grande diferença entre as palavras viver e existir, e as duas fazem parte de nossa jornada pela Terra. Viver está ligado a tudo aquilo que pulsa, que está vivo e tem noção disso, é saber o que está fazendo. Existir está ligado a tudo o que pode ser percebido pelos sentidos, uma pedra, por exemplo, é algo existente, pois ocupa determinado espaço, tem massa e peso etc… Enquanto os seres inanimados podem apenas existir o ser humano pode viver e existir, mas muitos deixam que o existir prevaleça sobre o viver.


Na literatura e no cinema são inúmeros os livros e filmes que chamam a atenção quanto o aspecto do viver e do existir. Ikiru, “viver” na tradução livre do japonês para o português – filme do premiado diretor japonês Akira Kurosawa -, gravado em 1952 conta a história de Kanji Watanabe, um funcionário público viúvo que trabalhou incansavelmente por mais de trinta anos e só percebeu não ter vivido quando foi diagnosticado com câncer de estômago, lhe restando apenas 180 dias de vida.


Kanji Watanabe dedicou toda sua vida ao trabalho e a dar uma boa vida a seu filho e nora que o tratavam com indiferença, interessando-lhes apenas o seu dinheiro. Watanabe ao saber de seu diagnóstico decide viver intensamente os dias que lhe restavam de vida, como também passa a buscar um sentido para esses últimos seis meses, no entanto, 180 dias significavam um número ínfimo de seus dias de vida. Definitivamente o funcionário público japonês não havia vivido, ele apenas existiu.


O senhor Watanabe só toma conhecimento de sua vida sem sentido e de seu trabalho enfadonho quando fica sabendo de sua doença, a partir desse ponto passa a procurar uma forma de dar sentido ao restante de seus dias, para isso acaba construindo um parque infantil em um bairro pobre de sua cidade.


Em um balanço do parque que mandou construir ocorre a cena principal do filme, momento em que o personagem em seus últimos dias de vida embalando-se canta Gondola No Uta: “a vida é curta / se apaixonem, donzelas / antes que seus cabelos longos e soltos comecem a descolorir / antes que a chama em seus corações se apague / para aqueles que o hoje nunca voltará”.


Ikiru tem um apelo existencialista e apesar de ter sido produzido em 1952, não deixa de ser atual, pois critica a mesma existência mecanizada e fria em que vivemos e que tomou conta do Japão no pós-guerra. A produção cinematográfica de Kurosawa debate essa nossa existência vazia em que todas as energias estão alocadas a produzir para ter cada vez mais futilidades que não acrescentam nada ao viver, mas prende-nos ao existir. Também nos leva a refletir até onde podemos ir ao despender nossas energias em prol da felicidade do outro, sem que tenhamos dedicado tempo e energias a nós mesmos.


Em Ikiru, podemos perceber logo no inicio do filme a grande ironia na fala do narrador ao dizer que a vida de Watanabe começou quando ele descobriu que iria morrer em 180 dias. Somente esse grande choque foi capaz de acordá-lo para a realidade de que não havia vivido, apenas existido. Ao espectador resta uma profunda e dolorida pergunta: o que tem feito de sua vida e o que você faria se tivesse somente 180 dias de vida?

 
 
 

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