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Maneco fumaça e o homem de pau



O sol raiava no horizonte, quando Maneco Fumaça adentrava na floresta para mais um dia de desmatamento para ceder espaço a uma roça. Trazia consigo um bom machado e dois ajudantes para a realização daquela empreitada. Quando já havia desmatado cerca de 20 metros quadrados de mata nativa deparou-se com algo fora do comum na constituição de uma árvore. O tronco daquela aroeira surgia da terra em duas partes e após sessenta centímetros verticais transformava-se num único tronco de onde pendiam para o alto, dois galhos, um de cada lado, que nas suas extremidades tinham mais cinco pequenos galhos como se fossem os dedos de uma mão humana. Enfim aquele tronco igualava-se à escultura natural de um homem prostrado de joelhos com as mãos para o alto, tendo o olhar fixado no infinito. Maneco Fumaça encantado com aquele capricho da natureza tratou de cortá-lo com todo cuidado a fim de não descaracteriza-lo e o levou para casa.

Em uma semana Maneco Fumaça já havia descascado aquele tronco e lhe dado alguns ajustes. Finalizara a obra, que a natureza havia começado. Aquela escultura natural, mesmo com aspecto tosco chamava a atenção e encantava por sua simetria reproduzir quase que fielmente um corpo humano. Maneco a expôs na varanda de sua fazenda para fazer-lhe companhia na solidão em que chimarreava há mais de 10 anos em plena viuvez. Assim transcorreram-se mais ou menos 12 anos, até que uma cheia do Rio Apa, proveniente de uma chuva torrencial que castigou aquela região por três dias, inundou a terras de Maneco, levando através das enxurradas a sua companhia nas horas do mate, a qual havia batizado de Homem de Pau.

Durante nove anos continuou ali naquele reduto a sugar o mate solilóquio, sem entender o que havia acontecido com seu homem de pau. Quando abandou sua casa não imaginava que uma madeira tão pesada fosse ser carregada pelas águas para longe dali, e então a procurou por vários meses na redondeza, desistindo por não ter mais a onde procurar, embora dentro de si carregava a certeza de um dia encontrá-la.

O tempo passou e com ele veio o desânimo. Era a tradução fiel da estafa causada por anos de trabalho duro, que sem diminuir suas tragédias e desgostos haviam lhe acometido de uma enfermidade, que os médicos não conseguiam diagnosticar. Sua moléstia agravava-se com o passar dos dias, num mergulho de dores inefáveis. Mesmo sem acreditar em milagres e nas coisas ditas sacrossantas, foi convencido por um compadre a procurar uma paróquia no interior do Paraguai, onde estaria acontecendo segundo relatos, os milagres mais excêntricos, tudo proveniente do “Anjo de pau”, uma escultura em madeira encontrada por um pescador no Rio Paraguai, fisgada num anzol de galho.

Maneco Fumaça ao perscrutar a história do “Anjo de pau”, soube que ha cinco anos, um pescador de nome Pablo, após ter jogado suas linhas e tralhas de pesca na água durante um dia inteiro, nada havia pescado. Apavorado por ter dividas a pagar e uma família para alimentar, colocou-se de joelhos sobre o barco e se pôs a rezar. Terminada sua reza, resolveu recorrer seus anzóis de galho e quando já desiludido foi pegar o último, teve uma surpresa, houve um grande reflexo na água no mesmo instante em que algo muito pesado havia enganchado em seu ultimo anzol. Pablo ao puxar sua linhada descobriu fisgada no anzol uma escultura, que trazia espetado em seu braço direito um pintado de 80 quilos, o que foi suficiente para alimentar sua família por uma semana e pagar suas dividas.

A escultura foi levada para a capela do povoado e após ouvir os relatos de Pablo, os religiosos da região concluíram, que se tratava de um anjo que veio a precipitar-se do céu a mando de Deus, para interceder por Pablo, além da missão de aqui continuar em forma de escultura para espargir a fé religiosa. Desde então começou a grande romaria de fieis, atraídos pelos “milagres” do anjo de pau, que alguns atribuíam ser um dos apóstolos, ou seja, Tiago Alfeu, pescador e agricultor de Queresa.

Maneco Fumaça dirigiu-se ao Paraguai com o intuito de alcançar uma graça, que aliviasse a insuportável dor nas costas. Mesmo desconfiado dos milagres atribuídos ao anjo de pau, os quais constavam da cura de uma vaca com suspeita de febre aftosa; a volta do canto de um galo tenor que havia parado de cantar após engolir um besouro e de uma velha que caiu num poço de 12 metros de profundidade nada sofrendo, por ter pedido proteção ao anjo de pau durante a queda, a qual foi amortecida em um metro e meio de água.

Chegando ao povoado, Maneco Fumaça estarreceu-se por ver tanta gente diferente, de todas as cores e lugares. Perdido no meio da multidão encontrou várias lojas que dispunham de múltiplos objetos e guentos que eram ofertados ao Anjo de pau,nas abluções e oferendas que ocorriam em seu santuário. Surpreendeu-se ao ver pessoas a percorrer distancias enormes de joelhos e outras rastejando, numa demonstração de fé. Jamais havia passado por sua cabeça de que a criatura humana fosse capaz disso. Sentiu vontade de ir embora, mas sua dor era tanta, que o fez ficar numa ultima tentativa de livrar-se dela.

Maneco Fumaça, um típico interiorano achou que haviam cessado as supressas de sua peregrinação, quando então após enfrentar o sol forte e a sede na fila para adentrar no santuário, viu logo no altar o seu homem de pau. Ao avistar aquela escultura toda enfumaçada e ensebada pela parafina das velas, entrou em pânico. Então com muito sacrifício gretou um caminho até o Anjo de pau e falou a todos em lágrimas, que aquela escultura não era um anjo e sim o seu homem de pau, o qual havia encontrado na mata a exatos vinte e um atrás.

O pároco do santuário ao ouvir aquilo, num lance de segundos viu num pressagio os romeiros esvaziarem o povoado e como conseqüência o emagrecimento de seus cofres. Anátema! Isso é uma heresia as coisas sacrossantas! Bradou o padre e com meia dúzia de palavras fez com que o fieis expulsassem Maneco Fumaça do templo a bofetadas e pontapés, que lhe deixaram inconsciente por quatro dias, com oito costelas quebradas e hematomas espalhados pelo tórax e rosto.

Vinte dias após recuperar-se parcialmente do atentado, que havia sofrido Maneco Fumaça estava a caminho de casa portador do estigma de herético. Encontrava-se feliz e ao mesmo tempo desapontado. Feliz por que a surra a qual levou de tão violenta, que foi, havia colocado sua coluna no devido lugar, livrando-o da terrível dor. Desapontado por ter encontrado seu homem de pau e não poder levá-lo consigo.

Hoje, Maneco Fumaça vive com um machado afiado as costas adentrando as matas a procura de um homem de pau, pois foi o único que o havia escutado, e preenchido as lacunas de sua solidão, sem criticá-lo. Desistiu Maneco Fumaça de compreender a natureza humana, chafurdada na miséria da própria ignorância…

 
 
 

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