Minha angustia é meu desespero
- Davi Roballo
- 27 de mai. de 2009
- 6 min de leitura

“A crença em Deus subsiste devido ao desejo de um pai protetor e imortalidade, ou como um ópio contra a miséria e sofrimento da existência humana”. Sigmund Freud
Nietzsche em Assim Falava Zaratustra diz que devemos vencer a nós mesmos, e que este combate é perene, sem intermitência e descanso. Por isso a angustia aguarda quem atreve-se a pensar em cada esquina de suas reflexões. As pessoas inconscientemente sabem disso e ao invés de lutarem estão sempre em busca de um porto fixo onde possam aparentar que a vida não é o que razão apresenta, e os templos são os fortes onde abrigam-se do desespero causado frente ao espelho onde a própria imagem humana é uma incógnita.
Tenho refletido sobre o que leva as pessoas a irem constantemente às igrejas, esses espaços circunscritos; a qual os devotos chamam de casa de “deus”, não me foge a sensibilidade em constatar que lá vão em busca de serem vistos; de socializarem-se; de sentirem-se incluídos pelo menos em alguma organização da sociedade em que vivem, protegendo-se dessa forma da indiferença incontestável da natureza, pois ali negociam a sua culpa e bebem da seiva da ilusão que os manterá tranqüilos diante da realidade.
Tenho chegado a essa conclusão pelo seguinte: se o “livro” possui em suas linhas a palavra de “deus”, tanto no primeiro, quanto no velho testamento, essa palavra então por ser de caráter divino é um código de conduta. Pois bem, sendo um código de conduta deveria ser cumprida na sua total essência. O que não acontece, pois os que comparecem estão ali para encontrar amigos em busca de um bate papo; para exibir um novo modelito, para exercer uma catarse que livre-os da atribulações psicologias a que são submetidos nesses velozes dias da existência, pois se fossem a igreja para realmente por em prática os “ensinamentos” do “livro”, o mundo seria um pouco melhor, isso baseando-se na própria concepção deles, que afirmam que ali está toda a verdade. Fato que discordo enfaticamente. O que há são grandes mentiras, regras de uma civilização atrasada, que desprestigiam a mulher, além de ameaças de integridade física além vida, onde eles próprios afirmam que estarão de corpo e alma, ressuscitados…
Quando alguém me fala de ressurreição do corpo fico a lembrar o que disse Lavoisier “na natureza nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma”. Fico a imaginar como seria esse grande dia esperado pelos carolas, se no lugar onde havia existido um cemitério de crentes, no dia do juízo final esteja ali uma esplendida horta de batatas. Quando penso nisso coloco-me a rir pelas imagens que me vêem a mente, como: os corpos surgindo da terra, incompletos, metamorfoseados entre batatas e gente, pois na ocasião as propriedades que animavam o antigo corpo do crente irão compor uma suculenta batata. Outra cena engraçada que percorre o meu imaginário é a de crentes procurando os fregueses da horta dizendo-lhes: devolvam os milhões de átomos que nos pertenceram e agora animam teu corpo. Sim, se haver ressurreição isso poderá acontecer, visto que nosso corpo não carrega para sempre a mesma estrutura, ou seja, constantemente as células dos organismos estão sendo substituídas, o que podemos falar com certeza: nosso corpo não possui em sua estrutura natural nenhuma partícula que tinha há dez anos.
Quanto a vinda de Jesus, imagino baseado na mitologia cristã, que nesse dia abrir-se-ão as nuvens, a terra irá parar, todos os seres contemplarão uma luz no infinito. Boquiabertos os homens contemplarão a efígie cabelos longos barba ruiva semblante angelical (um ariano, contrariando o biótipo da região palestina), de braços abertos pairando pelos ares de Israel. Noticiários irão reproduzir a divina cena em que o filho que é o próprio pai, retorna á minúscula Terra – um pó do pó do universo- para recolher os escolhidos. Nas igrejas e nas ruas humanos prostrados rezarão e chorão. Uns de alegria, outros de remorso e muitos duvidarão do que vêem. Uma enorme paz e harmonia invadirão os lares do mundo inteiro. Guerras acabarão com conflitantes abraçando-se a chorar. Jornais estamparão em letras garrafais o fim dos tempos. E o filho do homem caminhará novamente por sobre as águas e arrebanhará para junto de si uma multidão nunca antes visto por sobre a Terra, reunida em um único lugar.
O Papa, Bispos, Padres e Pastores o procurarão, para uma audiência com o filho da luz, mas ele os ignorará dizendo que não há distinção entre os seus escolhidos, os quais serão selecionados entre os que não fizeram comércio com seu nome. Imediatamente ordenará aos seus fiéis seguidores que destruam os templos e tudo o que o atrele a comércio de fé. A partir disso reunir-se-á a maior plêiade ecumênica da terra, com todas as seitas cristãs e, juntos os seus lideres resolverão assassiná-lo novamente, pois não vale nada ressuscitado.
Diante disso tudo, fico intrigado com a capacidade que o homem adquiriu de por um véu sobre tudo o que explicita seu argumento contraditório. Como por exemplo, quando estamos comendo um saboroso bife, inconscientemente sabemos que trata-se de parte de um defunto; defunto bovino, no entanto, quem diz que queiramos saber disso no momento em que o suco dessa matéria que animou um ser vivo está a nos dar prazer no ato de degluti-lo. Veja só! Um animal consumindo parte de outro e ainda se diz especial, bem mais aperfeiçoado que aquele que cede a carne. Eu até acreditaria na criatura especial desde que: como as plantas estivesse livre da humilhação, que o ato da evacuação trás em seu ritual; desde que dentro de mim nada apodreceria, fermentaria com a ajuda de inúmeros germes e bactérias.
Como não posso impedir nada disso que há de imperfeito em minha estrutura, me ponho a rir de minha própria espécie imbecil, que coloca-se acima das espécies que se quer compreende, julgando-as inferiores, quando na verdade há um enorme risco de as mesmas terem um mundo bem mais aperfeiçoado e complexo que o mundo hominal, já que eles, os animais não necessitam de vestuário, cozer alimentos, usar da hipocrisia para a ascensão social dentre outras traquinagens que existem somente na espécie humana.
O mito do ser especial tem levado-me a refletir muito em relação a verdade e a mentira, e neste contexto chego a conclusão que de fato como disse meu querido filosofo Nietzsche, “não há verdade absoluta”, e sim, -no meu ponto de vista baseado nesse insigne pensador-, uma forma inteligente de apresentar um argumento, com a intenção não de convencer, mas, de persuadir, pois a primeira é totalmente diferente da segunda, isto é: convencer apenas convence, já persuadir além de convencer faz com que o convencido execute a ação sem reflexão. E no mito da criação o argumento apresentado é aparentemente inteligente, mas ingênuo não passa pelos labirintos da razão.
No entanto para filtrar o argumento inteligente, ou que ao menos pareça ser, exige-se um repertório de conhecimentos, principalmente no que diz respeito aos estreitos relacionamentos entre as religiões e o Estado. Torna-se imprescindível entender o significado da moral, que segundo Nietzsche, nada mais é do que eufemismo empregado para aliviar o peso que possui o cultivo de nossas vaidades. A falta de reflexão do povo lhes obscurece de uma forma o espírito, e este por sua vez reflete este obscurecimento para o cérebro. E mente conturbada não encontra subsídios para perceber a contradição em que há na afirmação da existência de um “deus” demasiadamente humano, que lança mão do bem e do mal para manter todas as criaturas subservientes a sua vontade.
Minha angustia é meu desespero. E dela nasce de meus questionamentos, que encontram no mundo exterior, apenas desculpas já esfarrapadas pelo fato de já serem tão velhas e ultrapassadas. Mas é na angustia que surge para nós a possibilidade de construir o nosso eu, buscando conhecer nossas mais secretas ilusões. É nela que temos a oportunidade de rasgar os véus da mesmice, das utopias e das crenças arraigadas nos antigos e obscuros dogmas, que não acompanharam a evolução dos tempos para as adaptações, que viessem a condizer com a mentalidade de época, levando sempre em conta que quanto mais apreendemos, mais ainda é necessário buscar o desmesurado saber…
Nossa angustia é nosso desespero! E só possível sair do desespero quando conscientizarmo-nos que cabe a nós mesmos arranjar uma saída do labirinto emocional, ao qual por vezes, encontramo-nos submetidos. É nessas horas que devemos conciliar a vontade com a razão para atingir a meta de liberdade e a volta ao mundo alienado dos homens, em fuga diante da loucura que ronda-nos a cada esquina das reflexões, com um sorriso de desdém diante de nossa ainda incipiente sabedoria.
Comentarios