FRAGMENTOS DE ALMAS
- Davi Roballo
- 17 de jul. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 1 de jul.

Não se pode costurar os rasgos que o outro carrega na alma com a mesma agulha e linha que usamos para remendar as nossas próprias feridas. Cada sujeito é tecido por experiências singulares, cujas tramas se entrelaçam de formas que jamais se repetem. A ilusão de que nossos modos de curar servem universalmente revela uma incompreensão profunda das singularidades que habitam cada história. A fragilidade que pulsa nas cicatrizes alheias exige um olhar que não busca repetir seus próprios gestos, mas que se dispõe a escutar o silêncio próprio de cada dor, reconhecendo a diferença sem tentar domesticá-la.
Não há uniformidade no modo como se entrelaçam os fios do sofrimento — o que para um é caminho tortuoso, para outro pode ser uma simples curva no percurso. O verdadeiro cuidado nasce da atenção fina que percebe o ritmo próprio de cada alma, evitando a tentação de aplicar soluções padronizadas que apenas reforçam as fissuras em vez de suavizá-las. É um gesto que requer a paciência e a delicadeza de um artista, aquele que escolhe com precisão a cor e a textura para respeitar a singularidade da obra que se constrói diante dele.
Reconhecer a diversidade dos fardos que cada um carrega é, portanto, mais que um exercício de empatia: é a condição necessária para que a solidariedade não se transforme em imposição. Mais do que remendar, o que se oferece é um espaço onde a vulnerabilidade do outro possa emergir sem temor, um terreno seguro onde a exposição das feridas não seja recebida com pressa ou julgamento, mas com a reverência que acompanha o encontro genuíno. A cura, nesse sentido, não se dá pela repetição do conhecido, mas pela abertura ao desconhecido que cada ser traz consigo.
É na aceitação dessa multiplicidade que reside a possibilidade de uma comunhão verdadeira — não uma fusão homogênea, mas um entrelaçar respeitoso que preserva as diferenças e acolhe as singularidades. Ao aproximar-se do outro, o convite é para a escuta humilde, para a presença que não pretende dominar, mas compreender. Nesse movimento, descobrimos que não é preciso apagar as cicatrizes alheias para encontrar beleza; elas mesmas contam histórias, revelam trajetórias e revelam a complexidade da condição humana, que só se revela inteira no reconhecimento daquilo que nos distingue e nos conecta ao mesmo tempo.
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