O menino de mim
- Davi Roballo
- 8 de mar. de 2010
- 3 min de leitura

Minha existência desde que mergulhei no mundo das letras, das idéias, dos pensares… têm resumido-se na busca incessante pelo menino, que se perdeu no labirinto de meus dias. O menino tostado de sol que vivia mergulhado em mil fantasias em seus dias infindáveis. O menino que desejava logo ser adulto e hoje mais do que tudo deseja voltar a ser menino. Desde que foi engolfado, engolido pelo tempo, -esta abstração imparcial da existência-, vive a defrontar-se com a realidade nua e crua, onde diante do sol e da lua, ruíram-se todos os castelos, apagaram-se todos os sonhos e escorregou-se por entre os dedos a ilusão de se ter liberdade.
Quando o menino transpôs a fronteira da adolescência e acordou de um sonho, e alguém avisou-o que não mais prescindia das coisas de menino, já era homem, ou seja, um escravo do Estado e do tempo, que tinha compromisso e deveres com a sociedade de poucos homens, mas que é tida como de todos. Deveria pagar imposto e ao findar do dia trancafiar-se em “casa”, o eufemismo usado na modernidade para aliviar o peso que possuem as palavras senzala, prisão…
Nos dias de reflexão, meu eu adulto lembra tempos idos, quando o menino era admoestado pela professorinha da escolinha das catarses dominicais e as sanções paternais. Motivo: ter questionado as “coisas divinas”. Ninguém compreendia o porquê de um pré-adolescente ter tais questionamentos, senão a razão de estar sobre influência do “demônio”. E assim, o menino como um argonauta destemido aventurou-se por vários rituais ridículos de exorcismo, até que resolveu calar-se, e passou a pastar com as demais ovelhinhas, sem esquecer de que sua essência era a de um cabrito montês. Se assim não fizesse, talvez tivesse conseqüências um tanto sérias… mesmo assim, jamais guardou mágoa de seus algozes, pois sabia que agiam nos braços da ignorância.
Quando adolescente, numa segunda fase de sua educação, desejou aprofundar a decifração dos códigos que direcionam a vida humana, enfim, perscrutar a evolução do pensamento, alguém lhe disse: “deves continuar a próxima fase da escola” e de imediato o menino criou mil e uma fantasias em sua mente fértil, acreditava que iria aprender a pensar e a ordenar seus pensares. Que decepção! Encontrou lá a mesma uma fábrica de robôs da primeira etapa, condicionados a uma repetição a serviço do Estado, andróides que comiam a mesma comida já pronta e mastigada o suficiente para mantê-los vivos. Enquanto que os mestres autômatos, mais discutiam questões salariais do que ensinavam preocupados consigo mesmo, e não com a nação futura confiada a eles, para que aprendessem apenas a comer e não a cozer o próprio alimento.
Dias se passaram ornando os onze anos em que o menino ia a escola comer aquela pasta pegajosa para posteriormente vomitá-la no caminho de casa, pois ir à escola para ele era um fato detestável. Para sobreviver freqüentava os grandes depósitos de manuais de cozinha, foi ali que conheceu grandes cozinheiros como os seus mestres SHOPENHAUER e NIETZSCHE, Machado de Assis, Clarisse Lispector, Emerson, Rimbaud, Voltaire, Erasmo, Vitor Hugo, Fernando Pessoa, Castro Alves, Monteiro Lobato, Balzac, Fedro, Epicuro, Cícero, Kafka e etc… E assim passou a fazer sua própria refeição, embora algumas, por vezes queimavam-lhe o estomago, por serem demasiadamente fortes de tempero e ele ainda não havia gerado uma flora intestinal que às suportasse, além de divagar sobre coisas que exigiam um cabedal mais profundo de conhecimento, por ter assaz profundeza abissal.
Mesmo assim buscou entender todo o novo, o real e frio do conhecimento, que descortinava um novo mundo à seus olhos e pés. Com todas essas descobertas, o menino afastou-se cada vez mais alienação humana, decepcionado e incontido pela angustia de ter tanto a adquirir, a dar, a repartir e, no entanto ao seu derredor havia poucos como ele que caminhava em direção as nuvens onde jaz a solidão e frio, o preço a se pagar por observar a humanidade do alto.
O tempo passou e o menino de carne e osso sumiu, morreu de inanição por se recusar a comer a papa dos robôs e dos condicionados. Mas, creio piamente, que por ter sido o artífice de seu próprio alimento transformou-se num corpo etéreo, que não pode ser compreendido e/ou visto pelas pessoas, sendo assim, caiu na invisibilidade social, pois só pode vê-lo quem tem o olhar critico e aguçado.
Vezes por outra, sinto-o agarrado em minhas pernas. Vejo seu sorriso quanto cruzo por uma vidraça. Sinto-o acariciar meus cabelos nas horas de solidão e todas as noites ele vem correr comigo por entre os campos durante minhas poucas horas de sono. Compadecido acalenta-me a alma ao dizer-me que já cumpri minha missão de menino, que devo continuar a representar entre os representantes, pois um dia a Terra será de meninos e meninas como os que nascem demasiadamente antecipados, e que por agora, basta-me esperar o despertar do pesadelo onde atuo no “circo” humano…
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