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O meu pé de Chorão




Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu“. Nietzsche


Sobre a mesa o café aguarda-me enquanto escrevo. São exatamente seis horas e quinze minutos. Já caminhei pela orla de meu bairro imaginando um mundo onde a cultura seja uma realidade, com leitores críticos que realmente saibam a diferença, a sutil diferença entre ler com os olhos e ler com a alma. Assim têm se tornado meus dias da semana, enquanto sonho com um dia em que as grandes esperanças e os sonhos sejam uma realidade. Enquanto não chega esse dia, fico a desenhar rastros de caneta no papel, marcando ali as letras que codificam meus nobres sentimentos e intrincados labirintos de minha alma.

Desde minha adolescência tenho aprendido que a vida é movimento, não pára, não pede as horas… A vida é bela, mas exige disciplina nas atitudes e escolhas. Só fica sabendo disso quem aprende a ler o mundo e as pessoas, observando-os de forma crítica sem romances. Nossa existência é muito curta, mesmo assim, muitas vezes perdemos muito tempo tentando manter algo já esvaecido e por isso gastamos nossa energia e atropelamos o bom senso numa louca tentativa de manter as aparências. Vivemos para os outros e esquecemos do essencial para o bom viver… nós.

Tenho aprendido a valorizar cada ação, cada gesto meu. Não me culpo mais por coisas que deixei de fazer ou que fiz, sou consciente de que o passado pouco importa, já foi, não podemos refazê-lo. Pois nem mesmo nós somos os mesmos de outrora, como disse Heráclito de Eféso “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, porque, ao entrarmos pela segunda vez, não serão as mesmas águas que estarão lá, e a pessoa mesma já será diferente”. Então porque insistirmos em remoer antigas desavenças e decisões precipitadas, afinal, o passado está atrás, longe do presente.

Semana passada ao observar a chuva rememorei os tempos de infância, quando nos dias de tempestade posicionava-me na vidraça para ver um enorme pé de chorão ser açoitado pelo vento. Sempre em dias de chuva ficava naquela vidraça esperando que a árvore perdesse para o vento, mas, ela está até hoje imponente no quintal da casa de meus pais. Na minha adolescência comecei a contemplá-la e via que os açoites do vento tornavam-na mais bela com galhos retorcidos e reforçados. Tenho muita gratidão por esse chorão, pois debaixo de sua sombra aprendi muito ao admirá-lo.

Aquela árvore mesmo sem a capacidade de locomoção, em dias de tempestade estava ali brigando para manter seu lugar na vida. Aprendi com isso, que nas agruras da vida –nossas intempéries- o correto não é buscar asilo, guarida ou qualquer outra coisa que nos possibilite fuga, mas sim enfrentar as dificuldades e os problemas onde e como eles aparecem. Analisando o chorão via que ele a cada dia aprofundava suas raízes e engrossava seus galhos; era a maturidade do velho chorão, até que um dia dei-me de conta que havia crescido com ele, mas continuava com minhas raízes expostas, perecível a mais suave brisa. Quando tive esse lapso, minha mãe não entendeu nada ao encontrar-me chorando abraçado a uma árvore onde amarrei meu balanço na infância.

Como havia dito, devo muito a esse chorão. A partir daquele dia, tomei as rédeas de minha vida. Desde então, não tem sido fácil, pois por vezes a assombração do censo comum aparece para atormentar minhas idiossincrasias. Mas, tudo faz parte de uma construção de meu eu. “Nunca é alto o preço a pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo…” já dizia Nietzsche. São as lutas, glórias e decaídas da vida que nos tornam fortes, pois, somente vitórias seria um tanto aborrecível…

Quando alcançamos a noção de nós mesmos, crescemos e tudo torna-se pequeno. Olhamos para trás e vemos ao longe as casinhas com as pessoas vivendo embaladas pelo senso comum, indo de igreja em igreja a procura do que carregam dentro de si… a força. Quanto mais subimos à montanha do conhecimento mais rarefeito o ar, menos pessoas encontramos para comungar as mesmas idéias. Quanto mais alto subirmos, mais amplo é nosso campo de visão e maior a certeza de querer seguir avante. Mas, nem tudo são maravilhas nessa escalada, há momentos em que a angustia nos assalta os sentidos e a solidão intelectual é quase que sempre presença nessa viagem para o interior de nós mesmos.

São poucos os que decidem descortinar os olhos. Para as pessoas é bem melhor entregar-se à ilusão do que remediar as próprias feridas. O maior inimigo que conheci, foi eu mesmo, mas caminhando, escalando o conhecimento consegui sair do labirinto em que encontrava-me. Foi a partir de muita leitura e reflexões que entendi passo a passo o caminho de volta ao menino de mim, o garoto que havia perdido nas turbulências da vida. Pois o homem quando menino brinca, diverte-se e adulto perde essa magia, mas, a essência do menino reina dentro de nós, de uma forma sufocada nos aguardando sem perder a esperança de que iremos um dia resgatá-lo. Foi o que fiz.

Tenho buscado viver a vida da melhor forma possível, faço tudo que quero e desejo. Divirto-me, aprendo, ensino, ajudo… pois não sei quando será meu ultimo suspiro. Creio que devo estar preparado para sair da vida feliz, por tê-la vivido na plenitude, mesmo com todos os riscos apresentados, pois viver bem é ter coragem frente ao novo, aos desafios.

O meu pé de Chorão

 
 
 

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