O mito de Eresictão e a modernidade
- Davi Roballo
- 20 de mai. de 2014
- 2 min de leitura

Segundo René Menard em “Mitologia Greco-romana”, Eresictão foi um ambicioso, rico, descrente e arrogante grego que não respeitava os deuses do Olimpo. Em certa ocasião devastou uma floresta dedicada a Deméter, deusa da fertilidade e como represália foi condenado por essa deusa a sentir infinita fome e não mais saciar-se.
Em pouco tempo Eresictão consumiu toda sua riqueza na vã tentativa de saciar-se. Por um curto período foi provido por sua filha Mnestra, que por graça de Poseidon, deus dos mares, tinha o poder de metamorfosear-se e assim fez-se vendida várias vezes pelo pai retornando a ele como outra pessoa para ser novamente vendida.
Com a fome aumentando de forma exponencial o estratagema de vender a filha não tinha mais efeito, pois o dinheiro tornou-se pouco para a crescente demanda por comida. Não tendo mais o que comer, Eresictão possuído pela loucura comeu as próprias pernas e posteriormente o restante do corpo, enfim, desapareceu em si mesmo.
A cultura grega sobrevive até hoje na literatura –embora fragmentada- por que interpreta e representa a vida, isto é, Eresictão é a ambição desmedida, ampliada, como a que podemos testemunhar na contemporaneidade, onde se tornou regra a insana busca por TER para poder APARECER.
A ausência de discernimento dos dias atuais é tanta, que não estamos percebendo que o vazio trazido na existência é de ordem interna, não se preenche com a matéria, pois, está além do possuir bens materiais, está ligado diretamente a SER. A problemática toda está no fato de que para SER é preciso conhecer a si mesmo e reconhecer com hombridade todos os defeitos, não somente as qualidades, no entanto, quem está disposto à decepção de ver que não é nada do que idealiza ser.
Nossa ambição material tem nos obrigado a uma bizarra atitude, como antropofágicos sociais estamos consumindo não o corpo físico, mas nosso corpo social e seus atributos. Isso ocorre, porque estamos dedicando um maior tempo de nossas vidas em busca de preencher o que não pode ser preenchido pelo palpável, pelo sensível, mas pelo autoconhecimento. E nessa busca desesperada estamos esquecendo-nos uns dos outros, a não ser que o outro tenha alguma utilidade, um meio de conseguir o que buscamos.
A ambição consumista é como Eresictão, quanto mais possuirmos, mais insaciáveis ficamos. Sem perceber estamos consumindo nossas riquezas afetivas, nossos laços filiais, nossas interações sociais, nossa paz de espirito etc.. Estamos perdendo parte desses atributos sociais, justamente por que não estamos plantando, regando, zelando, apenas colhendo suas benesses na ilusão de que eles se reproduzam por si mesmos.
Diferentemente de Eresictão podemos retomar as rédeas da vida. Basta para isso uma atitude em relação a forma como estamos conduzindo nossa existência. É preciso observar se estamos deixando-nos levar pelos arroubos e modismo do momento ou se estamos conciliando o viver apenas com o necessário, para mantermo-nos com saúde e equilíbrio psíquico na vida.
Eis o desafio para todos nós. Um desafio que considero difícil, por sermos nós mesmos as engrenagens do sistema de consumo estabelecido, além de termos nos tornado dependentes da cultura consumista, essa violência velada que nos destrói pouco a pouco, transformando-nos em uma massa mecanizada.
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