Reflexões de um homem de quarenta
- Davi Roballo
- 30 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Quarenta e cinco outonos, quarenta invernos, quarenta primaveras e quarenta verões, e cá estou com o olhar perdido tentando avistar o que passou, o que já foi, enquanto que a linha do horizonte chama por mim apontando uma estrada mais estreita e acidentada, por onde não se pode mais avançar com a mesma energia e afã de outrora.
Sinto-me despido. Despido de meu afã, de minha irresponsabilidade, de minha adolescência, talvez, eu a tenha retardado até chegar ao ápice da montanha da vida. Nessa nova fase que agora se apresenta, parece ser essencial pensar mais e falar menos, pois a calma e o analisar se impõem como regra.
Nesta altura, é preciso planos para descer as encostas escarpadas, como também estratégias para fugir dos demônios internos, que se aproveitando do sibilar do vento alertam que depois do topo da montanha a estrada prossegue em declínio, em direção à falência paulatina de meu organismo, e mesmo parado me aproximarei dia a dia de uma porta, que ninguém sabe com certeza onde dará.
Quarenta e cinco anos é o início de uma nova fase, é a vida que se desenha em outro cenário altiplano, quando se pode apreciar a beleza do que não foi contemplado na juventude, pois nessa fase da vida se trafega velozmente pela horizontal da planície.
É no vértice da montanha da vida que observamos mais uma vez, mas de forma mais contundente, que somos sós. Ao estender o olhar sobre a estrada percorrida, percebemos que o primeiro choro foi nossa primeira decepção ao perceber mesmo que de forma rudimentar que não somos parte acoplada a outros, no caso do nascimento, a mãe.
Mas o tempo – sempre o tempo – arrefeceu a sensação de solidão através da atenção a nós dispensada, até que novamente no primeiro dia de escola ela nos assalta veementemente e novamente nossas relações interativas nos salvam dessa triste realidade. E pela terceira e penúltima vez no ápice da montanha, nos canteiros dos quarenta e cinco, ela se apresenta novamente a acariciar nossa pele, que começa a sentir os efeitos da gravidade e novamente é preciso criar estratagemas para transformar em acepção positiva de vida a decepção de ser só.
É no rol dos quarenta e cinco que temos a oportunidade de ver que não somos tudo aquilo que imaginamos ser, mas de certa forma essa característica e sintoma esquizofrênico de pensar ser o que não é, nos conduz por um caminho irreal sobre o caminho real que demasiado tenros de idade e experiências não suportaríamos.
Ao iniciar o declínio em direção à falência programada de nossos genes já não nos importamos com essa decepção, pois se torna uma acepção de vida. Uma aceitação que deliberadamente corre a nossa frente a fim de no portão final nos abraçar mortalmente a rir-se enquanto fala a nossa consciência, “nasceste, viveste e morreste só”.
É só no topo da montanha da vivência que adquirimos coragem para discordar de Thomas Morus e John Donne quanto à ideia de que “o homem não é uma ilha”. Sim, somos uma ilha solitária surrada pelas ondas dos mares bravios da existência que nos molda dia a dia, pois estamos a todo o momento em transformação.
Conforme Heráclito de Éfeso, “Ninguém entra em um mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece, já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras”. Somos uma ilha sim. O que nos liga a outras ilhas humanas é a nossa necessidade de calor, de compreensão, de nos completar com aquilo que nos falta, como também a resignação de saber que quanto a essa solidão, não somos sós, isto é, somos uma contradição por vivermos solitários, mesmo acompanhados.
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