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VIDA CÍCLICA



Ouvi do vento notícias que parecem vir

De um tempo que não existe - ao menos não deveria existir.

Entre elas, uma com gosto acre:

Mais um amigo se foi mergulhar

Nos mistérios de onde ninguém emergiu, ninguém voltou

Para desmistificar o que nos espera

Para depois do último adeus.

Mais um de minha idade.

Temeroso a respeito de minha própria hora, penso distante,

Enquanto as pontas de meus dedos tocam

Os sulcos escavados pelas rodas da carruagem do tempo em meu rosto,

E como se lesse em braile percebo que também

Logo ou um pouco mais tarde também vou...

É o meu destino, o mesmo destino de toda gente,

Frutificar e espalhar sementes,

Irrompendo da superfície da vida outros seres a carregar as mesmas perguntas

E os mesmos desafios, que vestem

Em diferentes épocas outras roupas em outras cores,

Mas possuem a mesma pele, os mesmos olhos e o mesmo penteado.

Enquanto isso, meu tronco desapega aos poucos suas raízes

E meus galhos vão desfolhando ainda mais rápido meus dias,

Que encolheram devido a inúmeras estações e suas intempéries.

Aqui e ali, seja em um espelho ou em uma lâmina d’água,

Percebo cansaço em meus olhos por

Eles terem mastigado e engolido tantos horizontes.

A Terra indiferente a minha existência prossegue

Com sua rotação e translação

Enquanto meus músculos e ossos envelhecem.

Aqui e ali piso em uma espessa camada de pó

Dos dias que o tempo pisoteou e triturou

Nas moendas maiores das horas,

Na sequência,

Nas moendas médias dos minutos e por fim,

Nas moendas pequeninas dos segundos

Que transformam o que passou

nuvem de pó, que circunda meu eu

Feito um redemoinho.

Aqui estou me movendo através dos músculos

E por minha vontade, ambos escravizados pela

Necessidade de representar entre representantes.

Logo ali estarei também, mas como pó lavoisieriano varrido pelo vento,

Afinal, nada se perde, tudo se transforma...

 
 
 

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