VIDA CÍCLICA
- Davi Roballo
- 3 de jan. de 2022
- 2 min de leitura

Ouvi do vento notícias que parecem vir
De um tempo que não existe - ao menos não deveria existir.
Entre elas, uma com gosto acre:
Mais um amigo se foi mergulhar
Nos mistérios de onde ninguém emergiu, ninguém voltou
Para desmistificar o que nos espera
Para depois do último adeus.
Mais um de minha idade.
Temeroso a respeito de minha própria hora, penso distante,
Enquanto as pontas de meus dedos tocam
Os sulcos escavados pelas rodas da carruagem do tempo em meu rosto,
E como se lesse em braile percebo que também
Logo ou um pouco mais tarde também vou...
É o meu destino, o mesmo destino de toda gente,
Frutificar e espalhar sementes,
Irrompendo da superfície da vida outros seres a carregar as mesmas perguntas
E os mesmos desafios, que vestem
Em diferentes épocas outras roupas em outras cores,
Mas possuem a mesma pele, os mesmos olhos e o mesmo penteado.
Enquanto isso, meu tronco desapega aos poucos suas raízes
E meus galhos vão desfolhando ainda mais rápido meus dias,
Que encolheram devido a inúmeras estações e suas intempéries.
Aqui e ali, seja em um espelho ou em uma lâmina d’água,
Percebo cansaço em meus olhos por
Eles terem mastigado e engolido tantos horizontes.
A Terra indiferente a minha existência prossegue
Com sua rotação e translação
Enquanto meus músculos e ossos envelhecem.
Aqui e ali piso em uma espessa camada de pó
Dos dias que o tempo pisoteou e triturou
Nas moendas maiores das horas,
Na sequência,
Nas moendas médias dos minutos e por fim,
Nas moendas pequeninas dos segundos
Que transformam o que passou
nuvem de pó, que circunda meu eu
Feito um redemoinho.
Aqui estou me movendo através dos músculos
E por minha vontade, ambos escravizados pela
Necessidade de representar entre representantes.
Logo ali estarei também, mas como pó lavoisieriano varrido pelo vento,
Afinal, nada se perde, tudo se transforma...
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