A moldura e a pintura
- Davi Roballo
- 12 de jul. de 2016
- 3 min de leitura

Osho, no prefácio do livro “O barco vazio” conta que em uma determinada data um casal de idosos deslocou-se até a Holanda para visitar o museu de Amsterdã e ver a obra “Ronda noturna” do pintor Rembrandt. No museu depois de percorrer vários metros do salão e terem visto várias outras obras de outros pintores, chegaram finalmente a obra do pintor holandês. Ao verem o quadro que tanto queriam ver, o homem simplesmente falou a sua mulher: “sem dúvidas, essa é uma bela moldura”, dito isso, juntos foram embora.
Nós, como seres humanos, somos também constituídos de uma moldura e de uma pintura. A moldura é a nossa presença, apenas o que representamos, é algo superficial e não a nossa constituição mais detalhada. A pintura é a nossa história, nossa constituição como sujeitos, algo que não há como entender de forma imediata, pois é mais profunda, é a nossa própria essência.
O casal de idosos estava tão envolvido na pressa contemporânea, que o homem apenas conseguiu ver a moldura e ignorou o essencial, a genialidade de Rembrandt. Assim vive o homem moderno, apressado sob o comando dos ponteiros de um relógio enquanto perde a noção da apreciação, do degustar, do compartilhar e do socializar. Essa história ilustra muito bem o fenômeno de ansiedade social que atualmente estamos vivenciando. Uma corrida alucinada, que beira a insanidade ao desejar ter e experimentar de tudo ao mesmo tempo, sem que haja tempo para tal.
Antigamente nossos antepassados viviam observando o tempo cruzar diante de seus olhos e assim sabiam que havia um determinado momento para cada atividade como, plantar, colher. Nossos avós entendiam de pinturas, por isso confiavam e se solidarizavam mais com outro, pois nas pinturas alheias eles ainda percebiam os valores morais, éticos e espirituais que cada um trazia além da moldura, já o homem moderno não está dando conta nem mesmo de tirar o pó da própria moldura, enquanto julga-se uma bela pintura.
Escrevendo agora, remeti minhas lembranças a minha infância em São Borja, interior do Rio Grande Sul. Eu, meus irmãos e meus pais nas noites de verão sentávamos na calçada para ouvir estupefatos a descrição das constelações no espaço. “Aquela estrela ali, com a cor próxima do vermelho é o Planeta Marte”, dizia meu pai com autoridade professoral. E a cada descrição era questionado por alguma voz infantil a perguntar: “porque ele é vermelho?”, “o que quer dizer Marte?”, “o que é uma Galáxia?”, “o que é ano-luz?” e meu pai extasiado e encantado pelas luzes siderais iniciava uma preleção sobre cultura greco-romana, astronomia e etc. Meu pai, um homem que não completara a oitava série do Ensino Fundamental era um sábio que envergonharia muitos Ph.Ds.
Meu velho, assim como os antigos, conhecia um pouco da incomensurável pintura do Universo, pois não havia perdido o encanto pelas coisas grandiosas e inalcançáveis como são as estrelas e seus mistérios. Manteve consigo a capacidade de se encantar com a beleza que há na pintura das coisas simples da vida e a magia que existe em um abraço sincero.
O homem atual está tão preocupado com a ascensão profissional e o status social, que só tem percebido a moldura do Universo e de outros aspectos que preenchem a vida, entre eles outros seres humanos que se entrelaçam a suas relações. Só percebe, porque é inevitável não perceber, no entanto, só percebe, não vê, não conhece sequer a moldura, pois está somente preocupado em ser a mais bela pintura, que consequentemente ninguém vai ver, pelo fato de estarem quase todos com o mesmo objetivo, ou seja, estão tomados pelo mesmo egoísmo doentio.
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