O inferno
- Davi Roballo
- 10 de nov. de 2011
- 3 min de leitura

“O inferno são os outros” Sartre Em nossa cultura ocidental aprendemos desde a tenra idade as noções do bem e do mal e o destino das almas que praticam um ou outro, isto é, o céu e o inferno. O primeiro sendo o local onde a paz reina perene e o segundo a dor do fogo que queima e não consome pela eternidade a fora, ou seja, uma sentença totalmente contraditória dada por aquele que é considerado o portador do amor verdadeiro. Deixando de lado a mitologia e as doutrinas religiosas, podemos analisar o inferno como parte de nós mesmos. Não o inferno circunscrito e físico, mas o inferno psicológico por onde nos arrastamos durante a existência, algo tão forte e tenaz que segundo Nietzsche ninguém escapa, pois, “até Deus tem seu inferno: é seu amor pelos homens”. O inferno são os defeitos dos outros pairando sobre nossos olhos. São as dores de pais desesperados e decepcionados porque os filhos não trilharam os caminhos planejados por eles. É a decepção por as pessoas não comportarem-se como desejamos. É o carro que o vizinho adquiriu e nós não podemos adquirir, mas a vontade, o desejo e a necessidade inexistente, insistem em debaterem-se dentro de nós. O inferno é ter de lutar contra nós mesmos, é termos de rasgar a própria carne para que nasça de nós um novo ser em conformidade com cada guinada que a vida nos apresenta. O inferno são os outros, por que tudo o que realizamos, idealizamos está relacionado a olhos alheios. As pessoas comportam-se como nossos espelhos, nossos termômetros, portanto, são para elas a realização de todas as ações, tanto as complexas, quanto o ato simples de vestir-se. É das pessoas que sempre esperamos um veredicto, um elogio, uma crítica, como se isso fosse algo que alimentasse nossa alma e que não pudéssemos nos abster. O inferno é não podermos viver sem as outras pessoas, pois estamos nelas, assim como elas estão em nós. É ter de assumir responsabilidades com o que acontece conosco, sem recorrer a um bode-expiatório. É ter de fazer silêncio quando o próprio silêncio acha-se sufocado. Quantos de nós tentamos ao menos ser um pouco original, autêntico e não consegue? a não ser descaradamente se passar por uma outra pessoa que não é o que somos. Poderíamos chamar isso de falsidade, dissimulação quando na verdade é apenas uma adaptação do que os outros esperam e exigem de nós. A nossa dor e o nosso desespero muitas vezes inconscientes, encontram-se mergulhados em nossa impotência em nos revelarmos como realmente somos, isto é, sem os códigos pré-estabelecidos, regras, costumes, modas… Através de ações alheias também nos vimos e nos precavemos de realizar más ações e/ou ações condenáveis pelo padrão de vida vigente. São os exemplos de como fazer e não fazer, de como proceder e não proceder. Muitas vezes não percebemos, mas nos auto-escravizarmos para evitar uma dor maior, que é o orgulho ferido e a vaidade pisoteada, além do mais, precisamos das pessoas e elas precisam de nós. O inferno é ter de trabalhar para vestir, abrigar e alimentar o corpo, em detrimento ao que Schopenhauer chama de nossa natural “propensão a preguiça”. Somos escravos do mundo e das pessoas. Vivemos numa simbiose, do bem, do mal, um emaranhado onde quase não há liberdade de fato e quem a consegue fica fora do contexto entregue aos braços da solidão, pois que para pertencer a vida em sociedade deve-se abdicar de si mesmo e entrelaçar-se nos complexos torvelinhos que a movem. O inferno somos nós e nossa falta de amor… Sobretudo, amor por nós mesmos.
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