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A FLOR QUE NINGUÉM VIU NASCER 

No canteiro da frente da casa, onde minha mãe plantava sempre-vivas e rosas, havia um botão que demorava semanas para se decidir.


Era pequeno, verde, fechado como punho de criança teimosa. Todos os dias eu passava por ele, esperando que se abrisse, mas ele persistia em seu silêncio.


Minha mãe dizia que flor não tem pressa, que cada uma sabe a hora certa de mostrar o que guarda lá dentro. Dizia isso enquanto regava o canteiro com a mangueira velha que gotejava nas juntas.


Numa manhã de terça-feira, quando saí para comprar pão, a flor estava lá: aberta, vermelha, como se tivesse nascido durante a noite, enquanto a cidade dormia.


Ninguém viu o momento em que ela se abriu. Nem eu, nem minha mãe, nem os vizinhos que passavam apressados para o trabalho. Ela escolheu a madrugada, quando só as estrelas faziam companhia.


Havia algo de íntimo naquele gesto. Como se a flor quisesse se abrir apenas para si mesma, sem plateia, sem aplausos, sem ninguém dizendo como deveria ser.


Lembro-me de pensar que talvez todas as coisas importantes acontecessem assim: no escuro, em segredo, longe dos olhos que julgam e das bocas que comentam.


A flor durou apenas três dias. No quarto dia, suas pétalas começaram a cair, uma por uma, como lágrimas vermelhas sobre a terra escura.


Mas naqueles três dias, ela foi perfeita. Inteira, completa, sem pressa de ser outra coisa que não ela mesma. Como se soubesse que a beleza não precisa durar muito tempo para ser eterna.


Quando as pétalas caíram todas, restou apenas o centro amarelo, como um pequeno sol que insistia em brilhar mesmo despido de toda a sua glória.

 
 
 

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