AS COISAS MIÚDAS QUE RESTAM
- Davi Roballo

- 9 de set.
- 2 min de leitura
Na penumbra da sala, onde o relógio da parede marca as horas com sua tosse seca, descobri que a felicidade não vem anunciada por fanfarras.
Ela se esconde nos detalhes: no vapor que sobe da xícara de café, na mancha de sol que dança sobre o assoalho de madeira, no miado do gato da vizinha que atravessa o muro às seis da tarde.
Os homens correm pelas ruas carregando malas pesadas, cheias de sonhos que não cabem nos seus peitos apertados. Procuram a vida grande, a vida que se ergue como monumento, enquanto pisoteiam as flores que nascem entre as pedras.
Meu pai costumava dizer que a pressa é inimiga da alma. Dizia isso enquanto regava as plantas do quintal, uma por uma, como quem acaricia a face de um filho adormecido.
Agora, tantos anos depois, entendo o que ele sabia: que a vida verdadeira não está nos grandes gestos, mas no jeito como a luz entra pela fresta da janela e ilumina o pó que dança no ar.
Há uma música silenciosa nas pequenas coisas que fazemos: no pão que amassamos de manhã, na carta que escrevemos mas nunca enviamos, no livro que fechamos guardando ainda o calor das páginas entre os dedos.
A felicidade, descobri, não é um lugar aonde se chega. É uma forma de caminhar, devagar, prestando atenção aos grãos de areia que se prendem nas solas dos pés, às nuvens que se desfazem como açúcar na chuva.
Esta tarde, enquanto escrevia, uma borboleta pousou no parapeito da janela. Ficou ali por um momento, apenas um momento, antes de seguir viagem.
Foi o suficiente para que eu compreendesse que o milagre não precisa durar muito tempo para ser eterno.





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