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A fragilidade humana




Évora, localizada na região do Alentejo – Portugal, é uma cidade fundada na época do Império Romano, sendo uma das cidades mais antigas da Europa testemunhou todos os acontecimentos históricos do país de Pedro Alvares Cabral. Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1986, esta cidade abriga na Igreja de São Francisco a Capela dos Ossos, uma atração macabra, quanto instigante, pois direciona seus visitantes a determinadas reflexões sobre a vida e o viver.


A Capela dos Ossos é ornamentada com mais de 5.000 esqueletos humanos, todos retirados de cemitérios monásticos e de cemitérios comuns que ficavam em pátios de igrejas da região nos anos iniciais do século XVII. Três monges franciscanos decidiram ornamentar as paredes e o teto do local de suas orações com a finalidade de refletir mais sobre a transitoriedade da vida, bem como a insignificância da matéria que o tempo desgasta e a tudo transforma.


Em minha vida, em tempo algum imaginei que um dia passaria por uma experiência mística, sempre achei isso maluquice de quem sente e vê o que deseja. Não foi o que aconteceu na tarde de 25 de agosto de 2016, na Capela dos Ossos em Évora, Portugal. Teria sido uma visita turística normal, não fosse a petrificação, uma espécie de paralisação momentânea que ocorreu em meu corpo por um período de mais ou menos dez ou quinze segundos, tempo que indiscutivelmente tornou-se naquela ocasião, uma eternidade. 


Tudo ia bem, caminhava em direção a entrada da capela totalmente distraído, até que acima da porta a seguinte frase me recepcionou: “NÓS OSSOS, QUE AQUI ESTAMOS PELOS VOSSOS ESPERAMOS.” O mundo desabou sobre minha cabeça, em um lapso de tempo percebi a fragilidade  e a brevidade da vida, senti um golpe tão forte atingindo meu ego, uma bofetada acompanhada de uma sensação de vazio tão intensa e nunca antes experimentada, que meu corpo paralisou.


Ao conseguir movimentar o corpo tive vontade de abandonar o local e fugir daquela situação, mas insisti e adentrei o ambiente, pois precisava confirmar as sensações sentidas anteriormente. Dentro da capela, percebi inumeráveis ossos e algumas múmias de pessoas que tiveram uma história, um rosto e, no entanto, estavam ali com seus ossos misturados a ossos de outras pessoas, tornando todos iguais: negros, brancos, senhores, escravos, nobres e plebeus, todos comungados a cor branca do cálcio dos ossos. Vi somente ossos, ossos sem identificação, sem rótulos, sem títulos e muito menos algo que os fizessem melhores ou piores que os outros.


A percepção da brevidade da vida e a indiferença do tempo, como os monges construtores desejaram passar a quem visitasse a Capela dos Ossos atingiu-me em cheio. A sensação de pisar em terreno desconhecido e temido foi a que mais castigou meu sentir, pois sempre tive uma vaga noção do quanto a realidade dói, mas não estava preparado para tanta dor. A realidade de que somos um lapso, um sopro de vida, destrói qualquer pretensão que queira estabelecer-se acima da real fragilidade espiritual e material que nos envolve e nos torna aquilo que somos.


Atribuímos a nós mesmos um alto e inexistente conceito e portamo-nos como se no dia de nossa partida a Terra fosse suspender seus movimentos de translação e rotação, no entanto, tudo continuará como antes, inalterável. Por falta de reflexões sobre a finitude, agimos como se todos a nossa volta nos devessem favores, ou seja, somos especiais a nós mesmos e desejamos ser especial para o outro, no entanto, nos falta a noção de que não há como o outro viver nossa própria vida ou viver em prol de nós, pois também está envolvido em suas guerras particulares contra a indiferença da natureza e do tempo.


Se prestássemos mais atenção nas palavras de poetas como Fernando Pessoa, não pensaríamos e não nos veríamos insubstituíveis, mas nos conformaríamos com a indiferença da realidade, pois “Quando vier a Primavera, Se eu já estiver morto, / As flores florirão da mesma maneira / E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. / A realidade não precisa de mim […]”. Alberto Caeiro.

 
 
 

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