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A LETRA ALIVIA MINHA DOR



Tenho certo fascínio pela flor da planta Dente-de-leão, pois entre meus mais secretos desejos está ver minha letra ser distribuída por almas sensíveis e sem preconceitos, assim como o vento distribui as sementes dessa flor, para que faça aos outros o bem que me faz, porque tudo que escrevo é antes de tudo um lenitivo para minha própria dor.


Acredito que cheguei a este mundo com os olhos abertos e não consegui fechá-los, até mesmo nos curtos períodos de sono minha alma se agita e se contorce em meu diminuto barco que singra as águas turbulentas de meu próprio rio.


O chão em que piso e as paisagens que vejo estão distantes de onde realmente estou. Vivo entre mundos. Mundos desconexos e contraditórios. Permeio entre a loucura e a lucidez, algo tão comum entre os seres que nasceram para sentir na pele e na alma a realidade nua que circunda a vida.


Há para além de meus olhos de carne um olhar de lince que mergulha na linha do horizonte e consegue perceber meu próprio rastro cambaleante que me trouxe até aqui.


Clinicamente pela medicina legal sou considerado um louco devido ao meu estado psíquico instável. Quase pus a perder a própria vida ao saber disso. Levei muitos anos para me aceitar como sou. Ainda procuro saber incansavelmente onde está a nascente desse rio oscilante que corre em meu próprio ser.


A maturidade tem trazido até mim a certeza de que neste mundo líquido e mutável, somente através da loucura e a liberdade que ela proporciona, se pode perceber, que em seu contexto somente a morte é real, o restante por medo de si mesmo o homem torna um sonho, uma encenação, uma hipótese de vida e um pretexto para não encarar o próprio rosto em um espelho.


Entre muitas pessoas que cruzaram e cruzam meu caminho, percebo que parte delas está morta e ainda não sabe. Carregam consigo o medo de vez por outra enlouquecer e sentir a vida que se desenha sobre o grande perigo que realmente é viver.


O tempo inexorável ensina que viver é antes de tudo procurar conhecer a si mesmo.

Procurar conhecer a si mesmo é o maior ato de loucura que um ser humano pode cometer, visto que, não há inimigo maior do que aquele que ele carrega dentro de si mesmo. Digo isso, porque ninguém foi até hoje capaz de me prejudicar mais do que eu mesmo me prejudiquei.


Em um mundo em que o status e os títulos valem mais que a limpidez de alma, poucos optam pela autoavaliação, porque é mais confortável ignorar a si mesmo vivendo como um morto que opta por usar diversas máscaras para esconder a mortalha que se estende sobre seus olhos, mesmo estando biologicamente vivo.


Não são raras as oportunidades em que percebo as pessoas fingindo viver, enquanto brincam de esconde-esconde em seus próprios e complexos labirintos emocionais.


Como o filósofo grego Diógenes, que nu e com uma lamparina acesa em dias de sol procurava pelas ruas de Atenas o que há de superior no homem, eu trafego pelas ruas de minha eventual angústia movido por um grito no vazio, um grito que ninguém responde, pois para isso é preciso ter ouvidos de ouvir o silêncio.


Assim, vou-me andando pelos caminhos de meus sazonais tormentos e muitas vezes cansado de tanto ver o nu do mundo, tento encontrar conforto no calor do rebanho, no qual se pode perceber o balido de cegos conduzindo cegos à beira de um abismo.

Muitos não entendem e nem desejam saber o que move as engrenagens psíquicas de seres esquisitos, considerados loucos, polêmicos e antissociais que destoam do que consideram normal, preferem reservar a eles o frio da indiferença, a solidão e o banimento do rebanho.


Não sabem os ditos normais, que o louco possui o que há de mais valioso na vida: a companhia de si mesmo, na qual tem o sol que aquece e uma lâmina d’água que jorra da verdadeira vida, saciando a sua sede enquanto vê a própria face e a sombra de muitos que vivem em fuga por medo de encarar os próprios demônios internos.



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Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com o escritor daviroballo@gmail.com

 
 
 

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