A marcha do idiotismo
- Davi Roballo
- 6 de mai. de 2014
- 3 min de leitura

Se em troca do meu amor à leitura me dessem todos os tronos da terra, recusaria sem vacilar. François Fénelon
Imagine um mundo onde ler livros que incutam ideias e construam raciocínio crítico seja um crime. Pois bem, este é mundo futuro e fictício criado por Ray Bradbury em “Fahrenheit 451”. O nome do romance e posteriormente filme nos remete a temperatura em que o papel entra em combustão. Embora Bradbury o tenha escrito com a intenção de mostrar sua paixão pelos livros a ficção mostra o quanto o patrulhamento ideológico e as novas mídias/tecnologias (na época a televisão), nos idiotizam e nos tornam intolerantes a ideias que não correspondam a opinião coletiva, preestabelecida com uma segunda intenção.
“Fahrenheit 451” é atualíssimo, apesar de ter sido escrito na década de 50 e transformado em filme em meados da década de 60, pois nos remete a alienação em que vivemos imersos neste mundo tecnológico, onde informação está sendo confundida com conhecimento, além de nos empurrar a um consumismo desnecessário e desenfreado. A bestialidade é tanta que estamos esquecendo-nos do quanto o contato físico e o calor humano são importantes para a sobrevivência da própria espécie.
No mundo fictício de Bradbury as pessoas que leem e têm opiniões próprias e por tais características não comungam da homogeneização social imposta, são caçadas por bombeiros e trancafiadas em hospícios como ocorreu com muitas pessoas da idade média até meados do século XIX, conforme Foucault em “História da Loucura”.
No contexto do romance, quando alguém fala que a função dos bombeiros antigamente era apagar incêndios, os mesmos acham a ideia totalmente sem nexo, já que para eles os bombeiros sempre existiram com o poder de polícia para queimar livros e apreender pessoas que os têm, pois na concepção desses “bombeiros” os livros deixam as pessoas tristes, rebeldes e vazias.
A mensagem sonante do romance é que a situação totalitária se instala porque a própria população se permite alienar e manipular, devido a sua preguiça em ler. E uma vez instalado o sistema totalitário, a opinião pessoal e crítica não podem existir. O individuo é substituído pelo coletivo, isto é, pela massificação e mecanização do ser humano, que no livro parece cada vez mais frio e distante, mergulhado numa contradição extrema, ou seja, julga-se feliz ao mesmo tempo em que depende de drogas antidepressivas.
Em “Fahrenheit 451”, o governo procura ter o controle mental da população por meio de programas de televisão e rádio que representam um verdadeiro instrumento de alienação. As pessoas são condicionadas a horários para assistir determinados programas que ditam como se vestir, o que comer etc.
Bradbury através de sua obra passa aos leitores que ler é um perigo para os lideres dominadores e manipuladores, estejam eles onde estiverem no estrato social, pois a leitura de bons livros nos resgata do calabouço do desconforto emocional e intelectual e nos obriga a pensar por nós mesmos.
Livros são como rojões despertam-nos de profundos sonos, além do mais, a leitura humaniza, sensibiliza, nos faz sentir e vivenciar experiências que não são nossas. Ao ler conhecemos novos mundos, novos conceitos e construímos um repertorio para enfrentarmos a vida como mais determinação e principalmente com mais fé em nós mesmos.
O livro de Ray Bradbury é um clássico que deve ser lido e relido. É uma obra tão atual que nos remete a idiotice que vem se apossando paulatinamente da música, da literatura e quem diria: do sistema público de ensino escolar brasileiro.
Atualmente crianças não sabem ler satisfatoriamente e muito menos realizar operações básicas de matemática, enquanto adolescentes e jovens constroem uma nova gramática e um novo vocabulário com a prevalência de abreviações e gírias ininteligíveis em detrimento à língua mãe.
O que estamos vivenciando é uma preparação que prenuncia que corremos o risco de sermos comandados por muito tempo por um mesmo grupo de pessoas, como no país totalitário “Oceania” do livro “1984”, de George Orwell, onde quem manda é o “Partido”.
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