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A PRISÃO DOS RESSENTIMENTOS E DOS BENS MATERIAIS

Atualizado: 1 de jul.

Foto de Dimmis Vart na Unsplash
Foto de Dimmis Vart na Unsplash

 

No fundo da alma, onde os afetos silenciosos ainda operam como forças determinantes da existência, algo se cristaliza sempre que escolhemos guardar — seja um objeto, uma mágoa ou uma ausência. O que se guarda, guarda de volta. E há um tipo de prisão que não se ergue com grades nem se impõe com sentenças, mas que se constrói com a sutileza das repetições afetivas: ressentimentos que se acumulam como entulhos no espaço psíquico e bens materiais que se empilham como substitutos do amor perdido ou jamais vivido.


O ressentimento é um retorno não elaborado do passado. Um afeto congelado, recusado à simbolização. Ele se reapresenta, insistente, como se dissesse: “algo ficou por ser sentido.” E ao não se permitir que esse afeto seja metabolizado, ele se torna sintoma — repete-se, adoece, obscurece o presente. Viver ressentido é manter a alma em dívida com aquilo que não se conseguiu aceitar. O outro é mantido em cárcere interno, mas quem cumpre a pena somos nós mesmos.


Da mesma forma, os bens materiais que acumulamos como troféus do esforço, ou como amuletos contra a perda, muitas vezes ocupam o lugar de afetos não elaborados. Substituímos o vínculo pelo objeto, a presença pela posse. Mas objetos não devolvem o olhar, não acolhem, não nos escutam. Por isso, acumulam-se coisas como se fossem respostas, e terminamos cercados por silêncios que pesam. A casa cheia de coisas é, muitas vezes, o reflexo de uma alma congestionada por memórias não digeridas.


A sensação de controle que o acúmulo oferece é ilusória. Ao tentar preservar tudo — o rancor, o trauma, o objeto — não percebemos que deixamos de fluir com o tempo. O tempo, este operador implacável do psiquismo, exige circulação: para viver, é preciso deixar ir. E o que não é deixado ir, torna-se presença fantasmática. Torna-se atraso. Torna-se repetição do mesmo. A vida, então, passa — não como um evento repentino, mas como um escorrimento lento e contínuo daquilo que deixamos de habitar.


Desapegar-se, nesse sentido, é gesto de elaboração. Não se trata de renunciar, mas de simbolizar. Perdoar não é esquecer, é aceitar que o passado não pode ser refeito — e, ao fazer isso, resgatar a potência de viver o presente. Desfazer-se de objetos não é empobrecer, é abrir espaço psíquico para o novo, para o encontro, para o vazio fértil. A liberdade interior nasce do reconhecimento de que a vida não cabe numa estante nem se resolve com acertos de contas internos com fantasmas que insistimos em manter.


O que se guarda em excesso, guarda o sujeito do fluxo da vida. E quando finalmente a consciência percebe que a existência não se mede pela soma de posses ou pela persistência das mágoas, mas pela qualidade da presença, talvez seja tarde — mas ainda seja possível. O tempo que resta, por mais curto que pareça, sempre pode ser habitado com mais leveza, se houver coragem para abrir mão do fardo. Não é uma questão de moral. É uma questão de saúde psíquica: deixar ir é, muitas vezes, o único modo de permanecer.

 

 
 
 

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