Antropologia extraterrestre
- Davi Roballo
- 25 de jan. de 2008
- 6 min de leitura
Numa dessas noites quentes, em que o sono insiste em não aproximar-se, devido ao incomodo proporcionado pelo calor demasiado que muitas vezes irrita e faz-nos perdê-lo. Pus-me a buscar em minha biblioteca, algum exemplar para reler e assim atrair o sono. Deparei-me com o volume de Contos de Voltaire, traduzidos por Mario Quintana, abri essa preciosidade a esmo e deparei-me no conto -Micrômegas, história filosófica- composta de sete capítulos aos quais devorei naquela noite, com tempo suficiente para a temperatura amenizar e o sono aproximar-se, enfim, adormeci.
Durante meu sopor, sonhei que palestrava com um ser alienígena, nas mesmas condições do personagem do conto que lera, exceto a sua estatura, que era extremamente pequena. Ao acordar, estava praticamente impressionado com aquele sonho que tivera, e que havia sido transcorrido no espaço de três anos de palestras com aquele ser de outras dimensões estelares. Perguntava-me, como podia ter estado durante um triênio a instruir-me com aquele ser? Se o sonho transcorreu em apenas uma noite. Também ocorreu-me a hipótese de ter sonhado tudo isso, motivado pelas impressões causadas pelo conto, porém ao recordar-me dos pontos de vista e das histórias narradas por Harrius (esse era o nome da criatura) me convenci de que tudo havia sido real, mesmo sem entender como poderia ter transcorridos três anos em apenas uma noite, cheguei a conclusão de que se tratava de um fenômeno aquém de minha parca compreensão.
Encontrei Harrius, numa assembléia de políticos que discutiam valores para suas emendas, na troca de favores entre eles e o governante. Enfim, tudo acabou bem para os deputados e para o governo, é claro, logicamente o povo não havia sido esquecido ficando com a parte mais insignificante. Mas, com combustível suficiente para repercussão política, para os autores das emendas, tornando-lhes assim um tanto mais populares, como se fossem realmente o que aparentam ser.
Durante o tempo em permaneci na assistência, observei a presença de um ser do tamanho de um boneco, em torno de 25 cm de altura, com biótipo idêntico ao humano, porém, mais bem definido e composto de uma substancia bem mais sutil e possuidor de um olhar profundo, que casava perfeitamente com sua fisionomia erudita.
Ao notar-me bem mais estarrecido com as falcatruas que ocorrem nos bastidores da política do que com sua presença, tratou logo de apresentar-se e disse-me: – venho de um orbe longínquo para pesquisar seres universais, que ainda se encontram em impressionante atraso, sempre que nos dispomos a pesquisá-los, nunca em hipótese alguma, nos fizemos aparecer, para não causar espanto por parte dos humanos, que são por demais de curiosos e nisso tudo ocorreria uma ameaça a nossa integridade física. Fiz-me ser perceptível por vós, por vê-lo e senti-lo de uma forma inócua, em relação a ameaças que outro ser de vossa espécie poderia ocasionar-me.
Pois bem, percebi que vós se encontrais um tanto espantado, com as truculências que são praticadas por seus políticos, em relação aos desígnios que vós e outros de sua tão atrasada espécie, lhes incumbistes de realizar através do voto de confiança, que deveria retornar a todos na forma de lealdade, fidelidade, responsabilidade…
Em meu orbe, que dista desse seu minúsculo globo, cerca de dois trilhões de anos luz e a um bilionésimo de segundo do pensamento, a má política foi extinta, aproximadamente a 450 rinis (equivalente a 900 mil anos terrenos), meus ancestrais dessa época, deram-se de conta que os políticos eram na verdade, seus súditos e não eles súditos de seus políticos, perceberam que estavam agindo como um patrão cego, que tem vários empregados que se aproveitando dessa deficiência, para lhes roubarem tudo às claras, repartindo o montante dessa canalhice entre si. O primeiro passo para a solução foi curar a cegueira dos habitantes de Connurs (orbe do alienígena), através do incentivo à cultura, fomentando a educação que os políticos por séculos impediam que fosse aprimorada, para sua proliferação e avanço, por temerem perder suas condições de canalhas donos da verdade.
Os habitantes, através de movimentos pacíficos, desenvolveram uma revolução na área da educação e da cultura que acelerou e incentivou a busca por informações, tão claras e concisas que num determinado ponto seus habitantes excluíram dos quadros da política, todos os demagogos e larápios tanto que atualmente os chefes são levados a nos dirigir, por sua natural superioridade moral e intelectual moldados pela simplicidade e humildade, conduzem as políticas públicas com tanto esmero e amor, que há muitos milênios não existe em nosso orbe opositores, e os seus habitantes, estão sempre a par de tudo que acontece nos bastidores da administração pública.
Quando Harrius terminou sua fala, logo lhe interroguei: – como poderiam ter acontecido tais truculências e roubos, sem ao menos os poderes constituídos da lei e da ordem intervirem? Então, Harrius voltou-se para mim e falou: – a política meu caro terrícola, havia surgido em Connurs, com a finalidade de ser um agente imparcial da justiça, para defender os interesses da maioria, como uma balança a serviço da quebra das desigualdades, porém, tomou um curso totalmente diferente do preestabelecido. A ganância, o egocentrismo, o partidarismo tolo etc… são as imundícies que corromperam e eivaram a alma dos políticos Connursianos, fazendo-os agentes de crimes dissimulados pela legalidade, que eles próprios redigiam através de suas leis.
O processo de surrupiação pública acontecia perniciosamente de diversas formas e tem várias semelhanças com os métodos, que vossos políticos empregam para legalizar a apropriação indevida do bem público. Entre eles, está o que vós terrícolas chamais de licitação, sendo nada mais e nada menos do que o processo regulamentado através de leis e escrituras, para fiscalizar o emprego do dinheiro público e evitar o desperdício e a corrupção. Acontece que os administradores e os maus políticos de Connurs, sempre achavam uma saída para apropriação indevida, através de acordos com maus fornecedores e prestadores de serviços, os quais misteriosamente ganhavam as licitações da livre concorrência. Na verdade, o que havia era uma troca de favores, tipo: isonomia fiscal, em troca de patrocínio eleitoral, fornecimento de mercadorias com preços além do real de mercado e inferior qualidade e em menor quantidade do que as apresentadas nos documentos oficiais da lei (notas fiscais), sendo posteriormente repartidos entre eles o dinheiro, que havia sido empregado no que de fato não existia.
Os políticos Connursianos, eram tão cínicos, ao ponto de não se constranger em fazer falsas promessas e abusar da boa fé do povo Connursiano, que na época, jazia nas trevas da própria inteligência. Entre eles destacou-se a figura do sofista Errias Falsic, que durante as empreitadas eleitorais, fazia promessas inviáveis, para conquistar a confiança dos habitantes de uma determinada cidade de Connurs, mesmo sabendo que isso era impossível de realizar. Prometia ele, que sendo eleito acabaria com os aumentos abusivos de salários dos operadores do legislativo e do executivo, prometia igualar as férias de seus confrades às do proletário comum, comprometeu-se a acabar com a farra das sessões extraordinárias, que valiam cada uma, cerca de dez porcento a mais em seus salários. O burgo daquela paragem inocentemente, acreditou nas promessas do sofista e o nomeou para mais uma incumbência. Porém, com o passar do tempo, os eleitores da urbe a qual pertencia o Edil Errias Falsic, chegaram à conclusão, que ele não era o bom mancebo como aparentava ser, pois, se fosse bem intencionado e até mesmo por uma questão de educação e de ética, deveria ao receber o seu ordenado, devolver aos cofres públicos, o montante relativo ao aumento que ele na campanha anunciará aos quatro ventos, como abusivo. Deduziram, que se ele realmente fosse tão verdadeiro como aparentava ser, ao invés de tirar seis kavies, (um kavies é igual a 15 dias terrenos) de férias, tiraria apenas dois kavies como os proletários comuns e trabalharia os outros quatro kavies, mesmo que sozinho na casa das leis. Passaram a lhe ver como indigno, porque se ele realmente fosse um político correto, devolveria aos cofres públicos todo o pagamento recebido pelas sessões extraordinárias, que ele tanto usou como bandeira na sua campanha política, dizendo em alto e bom tom, que esse pagamento era ilícito, ou seja, um roubo legal das coisas do povo e que não pouparia forças para modificar esse quadro.
Errias Falsic, após ter assumido seu cargo, nada fez para mudar ou colocar em ação suas promessas de campanha e sempre que era questionado, colocava a culpa em seus companheiros de velhacaria, afirmando que ele não podia mudar tudo isso sozinho, pois, dependia do voto das outras aves de rapina e assim continuava a usufruir em benefício de seu bel-prazer, de tudo o que ele próprio dizia que era censurável. A indignação do povoléu ao descobrir que Errias Falsic, era uma sumidade da mentira, sofista e pérfido, foi tanta que os mais revoltados, na grande maioria seus partidários, organizaram uma turba e invadiram o Paço legislatório, linchando-o, amputando-lhe a língua animal, para que nunca mais mentisse e brincasse com a boa fé dos eleitores, que haviam depositado em sua pessoa todas as esperanças de acabar com a corrupção daquela cidade.
Caso como de Errias Falsic, não foi único, aconteceram vários em todas as esferas do poder público, religioso, etc… Esses fatos ocorreram todos, influenciados pela revolução cultural, que teve como objetivo primaz, deixar os Connursianos mais informados e sábios, extinguindo de vez o ignorantismo e o obscurantismo que eram amparados pelos segmentos religiosos e políticos, que defendiam teses absurdas baseados em teodicéias e cosmogonias equivocadas, e em fatos que nos colocavam no centro do universo, como seres privilegiados do eum ser maior e sempiterno, atributos que tanto atrasaram o desenvolvimento moral e intelectual de Connurs. Contou-me Harrius.
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