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Barba Santa

  • 25 de jan. de 2008
  • 5 min de leitura


Caía a tarde no distante horizonte quando a carruagem que conduzia Euphidio Salmão, cruzava a ponte sobre o riacho Das Dores, que banha da cidade do Desterro.Retornava 52 anos após sua partida, que se dera em 1852, o ano era de 1904. Viera na esperança de encontrar a cura para a paralisia de suas pernas que já o acompanhavam por 15 anos.

Ouvira nas cercanias de Salinas onde residia, que sua terra natal, Desterro da Tristeza, havia se transformado em um grande pólo de romaria proveniente dos milagres de um Santo chamado São Salomão, descoberto por um pescador num dia de tempestade ao ver da margem do riacho o barco de seu filho virar tendo o menino sido arrastado pela torrente e ao constatar o fato e sem saber nadar agarrou a cruz de um túmulo até então desconhecido e pediu em nome de Deus a intervenção para que seu menino não perecesse e no mesmo instante seu filho enroscou-se pela roupa num galho de árvore, sendo dessa forma salvo da correnteza que descia com violência a jusante daquele córrego.

Em pouco tempo o acontecido espalhou-se por toda a região, ganhando caráter de milagre pelo Sacerdote local e em poucos meses a velha tumba feita de pedra cedeu lugar a uma imponente capela, com todos os afrescos e adereços religiosos dignos de um santuário dito abençoado.A Capela de São Salomão referenciava a pessoa de Sir Salomão, por ter sido encontrada pelo pescador, fixada na cruz, uma placa de cobre com inscrições quase que apagadas, com apenas algumas letras formando palavras pouco nítidas na seguinte forma “ Aqui jaz os restos ……ais de Sir Sa…mão de…pi..ado por ter ……gado-se a seguir Demo…..príncipe d……….vas – abr l M CC …X..IV” deduzindo e completando a falhas, os religiosos concluíram após vários estudos que a inscrição original era “ Aqui jaz os restos mortais de Sir Salomão decapitado por ter renegado-se a seguir o Demônio Príncipe das Trevas – abril de MDCCXXIV”Os tribunos teólogos exploraram o episódio ocorrido nas margens do Riacho das Dores, até suas ultimas possibilidades, fazendo dessa forma crescer o número de romeiros, que peregrinavam os 15 quilômetros que separavam a cidade da capela construída em memória e reverência ao suposto São Salomão.

Romeiros arrastavam cruzes pesadíssimas até a capela de São Salomão, a qual devido ao culto já havia transformado num grande complexo composto de hotéis, praças de alimentação, loja de relíquias, lojas especializadas a vender velas de todos os tamanhos e cores, réplicas dos ossos de São Salomão, órgãos e membros de cera que as pessoas compravam para agradecer a benção alcançada, graças ao suposto São Salomão. Tudo isso ocasionava um grande retorno financeiro para a instituição romana, que desde então abriu um filial bancária no mesmo local, a fim de gerenciar a grande fonte monetária originada pelos supostos milagres do tal São Salomão.

Por outro lado, reverendos protestantes rangiam dentes ao perceberem que suas caixinhas financeiras provenientes do antecipado loteamento do céu estava ficando cada vez mais no vácuo, proveniente do fato de seus fieis depositantes terem trocado a casinha do céu pelos milagres de São Salomão, afinal a casinha já havia sido paga ao longo dos anos de dízimos e ofertas. SupostoEuphidio Salmão ao ouvir a história em torno da origem do santo, contada por seus familiares quis logo conhecer o local da Capela e verificar a tal placa. Pois agora havia consigo algumas dúvidas em relação à veracidade da história deste Santo.

Quando verificou o local onde estava erigida a capela e a cruz com a placa de cobre, não teve dúvidas, tudo aquilo era um grande equívoco. Falava ele a seus parentes que o tal Salomão e ele eram a mesma pessoa. Tentou convencer a todos que a inscrição original era: “Aqui jaz os restos barbais de Sir Salmão depilado por ter se negado a seguir Democraciano Lince de Anchovas – abril de MDCCCXLIV”, imediatamente relembrou de sua infância e juventude vividas em abundancia com seus três inseparáveis amigos.Na cidade do Desterro, haviam eles três crescido em abundante amizade desde os seis anos de idade, Democraciano Lince de Anchovas sempre liderou o quarteto que ainda contava com Augusto Penna, Larildulfo Meneguese e Euphidio Salmão.

Suas idades variavam em dias e meses, um dos fatores que justificava suas afinidades e concordância geral nas suas picardias infantis e juvenis que praticaram até os vinte e cinco anos quando começaram a separar-se pela força natural do casamento que levou todos se separem uns dos outros indo cada um residir em lugar diferente.A vida desses jovens foi rica em acontecimentos, que gravaram profundamente em suas lembranças, mas nenhuma os marcara tanto quanto o episódio em que Democraciano, Augusto e Larildulfo planejaram a raspagem da barba de Euphídio, o qual nunca havia arrancado sequer, um fio de sua enorme barba ruiva que media em torno de 60 centímetros.

O trio que planejara a raspagem sabia que seria um fato extraordinário raspar a barba de Euphídio, que então contava com 24 anos sem nunca ter raspado o rosto.Numa pescaria em que realizaram no Riacho das Dores para despedir-se de Democraciano que casaria na semana seguinte e conseqüentemente separar-se-ia do restante do grupo, resolveram então nessa última oportunidade de reunião, com todos presentes aplicar em Euphídio a raspagem. Para isso, confeccionaram no ferreiro uma cruz de ferro nos mesmos padrões das usadas nos túmulos do cemitério da cidade, juntamente com uma placa de bronze, com as inscrições que relatavam o acontecido.

Quando Euphídio lá chegou imediatamente foi imobilizado, então Democraciano lhe fala que aquele ato seria seu presente de despedida e um castigo por não ter aceitado seu convite para acompanhá-lo na nova cidade, onde abriria novo negócio da família, e então rasparam a barba de Euphifio e enterraram-na em túmulo de pedra nos mesmos moldes dos tradicionais. Euphídio ao ser desamarrado para surpresa de todos se colocou a rir e chamá-los de loucos e dizer que realmente já estava cansado de carregar aquela enorme barba e que somente amigos como eles poderiam fazer-lhe tamanho favor, pois até então não tivera coragem, por tê-la cultivado por tanto tempo, e abraçado puseram-se todos a rir e fazer piadas da tez de Euphídio que por tanto tempo escondida embaixo daquela barba ruiva parecia tão branca quanto papel.

A cada ano sofriam uma nova separação e o último a abandonar a cidade foi Euphídio ao casar com Amância Flores no ano de 1852, indo residir em Salinas empregado na firma do sogro. Jamais retornou a sua cidade natal, nunca mais ouviu notícias de seus antigos e inseparáveis amigos de infância, os anos passaram e somente os retinha na recordação daquela parte de sua vida repleta de momentos felizes e extraordinários, vividos por aqueles jovens em toda a plenitude que a vida os havia possibilitado.Após ter relatado a história, nem mesmo seus familiares acreditaram, cochichavam nos cantos afirmando que o velhinho estava já caduco, e que era bom fingir, que acreditavam em suas “estórias”.

Pediu então para ser levado até o pároco responsável pelo Santuário e o relatou tudo o que sabia, porém o padre fingiu acreditar e lhe prometeu tomar as providências cabíveis, quando na verdade chamou seus familiares e os recomendou procurarem um psicanalista, pois o mesmo estava tendo alucinações e se isso não resolvesse teriam, que levá-lo a um exorcista, pois poderia ocorrer a hipótese do velho Euphidio estar sendo instrumento de Satanás com o intuito de destruir as obras de Deus, invejado pelos “milagres” ali ocorridos.

A família que era então muito religiosa e devota de São Salomão, ao ouvir falar em Satanás, concluiu logo que era, o mesmo príncipe das trevas que havia possuído Euphidio, em busca de vingança, e como solução esqueceram-se da pessoa serena e amável, que era Euphidio, e, a mando do Bispo da região, trancafiaram o velho em um Hospício, aonde veio a morrer condenado por ter tentado desmontar uma farsa, a qual ele era a única testemunha viva. Porém antes de morrer no claustro, abandonado, compreendeu a que ponto chega a idiotice do homem apodrecido pela ambição e o egoísmo, enganando e explorando a ignorância dos próprios humanos…

 
 
 

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