CAMINHEIRO
- Davi Roballo
- 12 de ago. de 2021
- 2 min de leitura

CAMINHEIRO
De tudo que tenho,
Nada é meu,
O que penso ter, na verdade,
São apenas instantes se sucedendo
E transformando o que tangencia meu tato
E impressiona o meu olhar.
No fim das contas,
Nem mesmo este corpo é meu.
Agora, neste instante, ali na lareira
Diante deste conglomerado biológico
Que acredito ser eu,
A lenha que fora um galho frondoso de uma árvore
No fogo arde, parte sobe vaporizada em fumaça
E a outra vira cinza.
A natureza indiferente aos meus olhos se transforma.
Será que a árvore que existiu, algum dia
Pensou ser espectro de árvore noutra dimensão?
Ou será isso apenas uma humana presunção?
Não sei,
Só sei que tudo em volta lentamente se esvai.
Ontem eu tinha avós, mãe e pai
Vestindo a carne que tomaram
Emprestada da natureza,
Hoje só restam fragmentos
De um tempo que passou,
Imagens fugidias e vozes distantes
De tudo o que a gente viveu.
O menino que empinava pipas
Sumiu no horizonte de minha estrada,
Apenas sua sombra
Transvestida em lembrança
Permanece em minha alma.
Me sinto no meio desse caminho que tantos passaram,
Visto que, aqui e ali vejo pegadas bem antigas
E outras tão frescas que ainda paira no ar
O perfume de quem as deixou.
Sigo adiante, pois, caminhar é viver.
Aqui e acolá sacio a minha sede
Nas fontes dos sonhos
E a cada entardecer me alimento
De uma nova esperança,
Porque, queiramos ou não, a vida se desenha
Na contradição que há
Em caminhar ao mesmo tempo
Em que se espera,
Isto é, os sonhos são caminhos a serem percorridos
E a esperança os calçados que vamos calçando
Para nos proteger dos espinhos.
Encontro tantos sonhos pelo caminho,
Mas nenhum deles é meu,
São sonhos abandonados
De quem me antecedeu.
Há inúmeras esperanças ainda com lama
E outras com poeira e outras com a sola furada
Por ter comido em demasia partes desse caminho.
Algumas são pequenas para meus pés,
Outras maiores do que eu mesmo.
Não há nenhuma que me sirva,
Visto que a esperança é algo mais do que pessoal,
É a forma exclusiva de ver e lutar contra o mundo.
Também me vejo deixando
Para trás esperanças que tive
E que me trouxeram até aqui.
Sigo adiante, porque a vida flui,
Assim, sou tudo aquilo que fui
E vou deixando de ser...
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