Como comer um livro
- Davi Roballo
- 31 de ago. de 2010
- 3 min de leitura

Há grande engano acreditar que a leitura e os livros são a panaceia para a vida, para os relacionamentos, para o intelecto… Não são. Livros são como cozinhas e como tais possuem ingredientes para confeccionar comidas de alto nível, pratos medianos, alimento sem sal, como também coisas intragáveis. Assim como pode descortinar um novo horizonte diante dos nossos olhos, a leitura também pode nos imbecilizar e nos transformar em seres medíocres, pois conforme Nietzsche “Os leitores extraem dos livros, consoante o seu caráter, a exemplo da abelha ou da aranha que, do suco das flores retiram, uma o mel, a outra o veneno”.
Torna-se importante ao leitor ao consumir uma obra estar ciente de que o conhecimento difere muito da crença. Só assim vai entender o porquê de existir pessoas de altíssimo grau intelectual sujeitadas ainda a superstições e a crenças em estórias infantilizadas. Segundo Gustav Le Bon, isso se dá por a crença agir no inconsciente do ser enquanto que o conhecimento age e forma-se no consciente, isto é, o ser humano é mais suscetível a formar e vivenciar uma crença do que construir conhecimento, pois, a construção de um repertório de conhecimento exige uma racionalização, enquanto que a crença nada exige, simplesmente aloja-se no inconsciente.
Para Rubem Alves, os livros devem ser encarados como comida, isto é, não podemos sair por ai comendo qualquer coisa. Um bom livro deve de ter bom cheiro, gosto e beleza. Deve nos provocar as mesmas sensações que nos provoca o perfume de uma boa comida, deve dar água na boca como os bons pratos e deve possuir beleza como as que encantam nossos olhos. Se um livro possui essas características podemos então devorá-lo e quanto mais apetitoso, mais desperta a vontade de consumi-lo.
Ler é como comer em todos os sentidos. Assim como na alimentação inadequada a leitura errada traz consequências. Há pessoas que comem demais e, portanto, adquirem peso em demasia. O excesso de peso interfere na locomoção e na saúde. Numa clara analogia, existem pessoas que confundem conhecimento com muita leitura e para tanto não selecionam o que leem e acabam “gordas” de informação e conteúdos supérfluos que não os deixam sair do lugar, como também as impedem de adequarem-se a outros lugares.
Existem também aquelas pessoas que são exímios leitores de obras excelentes, as devoram e as transformam em conhecimento. No entanto, criam represas e diques mentais que às impedem de repassar o conhecimento adquirido. São pessoas que sofrem de constipação intelectual, isto é, sabem muito, mas sabem somente para si, não conseguem passar adiante o que aprenderam, muito menos aplicar em favor da própria vida.
Para Nietzsche o bom leitor deixa a sua taça transbordar e rejubila-se pelos demais estarem comprazendo-se com o conhecimento que entorna, pois é ai que ele encontra o alivio para a angústia que invade o âmago de quem aprende a ler o mundo e as pessoas de forma crítica e instigante. A leitura é uma chave que abre as janelas e as cortinas do mundo apresentando a quem se atreve a adentrar nos caminhos da leitura raciocinando, as pessoas e as coisas sem máscaras…
A cada dia a ampulheta da existência esvazia-se um pouco mais, por isso a necessidade de preenchê-la com boas coisas e isso inclui uma boa leitura. Nossa mente deve ser cultivada com boas ideias e conhecimento, pois, ele outorga determinado “poder” sobre nós mesmos. Para isso, a leitura deve ser balanceada como a comida saudável. Além do mais, no momento da leitura devemos vivenciar o que está sendo percorrido por nossos olhos, conscientes de que o escritor, seja quem for, não constituiu o que está repassando sozinho, isto é, trata-se de uma soma de conhecimentos obtidos em várias fontes, como as linhas que repasso.
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