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Do escritor e da escrita


Na quina de uma calçada

Estava o escritor sentado

Alheio aos transeuntes

Que apressados passavam

A transportar nos ombros

Sacos de preocupações

E aborrecimentos.

Tinha abandonado a escrivaninha,

Sentia-se cansado de rascunhar

Letras tão pesadas da existência,

Mas escrever se fazia uma necessidade

Tão eficiente e necessária

Quanto a vasão de um rio.

Mas ele não queria mais escrever,

Pois escrevia

Totalmente diferente do que planejava,

Do que pretendia,

Na verdade, sentia-se traído pela letra.

Cada letra era um movimento

Que o escritor trazia na alma

E cada palavra escrita

Era um pedaço

Desconhecido dele mesmo

Que emergia

Das profundezas de seu abismo.

Seu desejo era não mais escrever,

Mas sem que percebesse

Com uma pedra na mão escrevia na calçada:

Escrever é a desobstrução da alma.

Ele não queria,

No entanto sua alma exigia

E a mão obedecia.

Pobre escritor,

Condenado a captar pelos olhos as dores,

Alegrias e dissabores do mundo

E canalizá-los pela mão em forma de letra.

Ele não queria,

Mas em sua negação

Seu corpo inquieto se contorcia

E como se tivesse vontade própria

Sua mão na calçada escrevia:

Ninguém se torna escritor,

Isso não é profissão,

É carma,

É dor de nascença…

 
 
 

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