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NOSTALGIA DE UM GAÚCHO


Tenho o tempo e vento, A traduzir a nostalgia, Em fragmentos de luz Da terra campesina, Onde retornei ao mundo No alvorecer do dia.


O tempo a distanciar-me, Da infância macanuda; Vivida no torrão sul brasileiro, Onde aprendi a fazer pátria Nas cátedras da vida, Reverenciando a nação futura.


O vento sulino, que sopra e emana; Nos fins de tarde carmesins Traz-me o cheiro dos pampas, Traduzido num aroma de sereno Com sabor de mel da lechiguana, Que o sugou de um pé de jasmim.


Ao matear sozinho no descampado No romper da aurora ou à tarde, Bate em suavidade sem pedir licença Em minhas narinas o cheiro sem alarde De um guarda fogo de angico aceso, Remanescente do acampamento farrapo, A esquentar a água ao guapo ileso; Na chaleira preta sobre as chamas e facho Para o inseparável mate da renascença.


Soam na paisagem estribilhos, Que os ventos do sul dirigem, Em versos nativos na escrita séria, A traduzir a buenacha poesia gaúcha, Brotando nos ouvidos como bolero, Espargindo em perfeita consonância, Na voz de Sepé, a história gaudéria; Registrada nos anais e conduzida Nas penas, em mãos dos poetas, Filhos do amor em constância, Entre a sensibilidade e Homero.


O minuano traz-me aqui neste pago, Onde estou, a lembrança do guri, Tez lisa, madeixa hirta e pele latina; A banhar-se no remanso da sanga, Que guarda as mesmas águas claras, Que banharam o corpo da linda china, Beleza inefável, que em um sorriso, Traduz nas melenas, o aroma de lavanda; E sua carnuda boca cor de curi, Que bebeu a água fresca da cacimba.


A china, a mesma china intemerata, Epíteto eterno de deusa e de prenda, Que enquanto o índio guapo combatia, Em trincheiras e descampados os paisanos Em sangrentos embates farroupilhas, Educava a prole e cuidava da fazenda.


Contemplo as nuvens com a força e sopro do vento, A deslizar os pinceis de Percy Pacheco e Carlos Montefusco, Que desenham nas telas da vida nativa e do tempo A efígie bela e suave, como um revoar de colibri; Dessa mesma china, tríade de mãe, guerreira e santa; Que no seu terno e suave cenho macio de acalento, Nas refregas da vida a tristeza do peão garbo espanta.


Uma prenda, uma mãe, uma deusa, um referencial, Guardiã eterna da mais cara tradição em forte laço Da iguaria e costumes da gaúcha cultura tradicional.


O vento sabor de tempo e de lembrança A repontar no horizonte da história, A imagem dos sacerdotes jesuítas, Adentrando o prado, vestindo a sotaina preta, Numa contradição viva em suas retóricas Como santos divinos e destruidores alienígenas.


É assim que entre alegrias e dissabores Dentro dos registros da história, os vejo, Alargando meu aprendizado, que expande, Porém, sufocando a milenar cultura indígena, Que recebi numa irmanada transfusão de sangue Desde há muito de meus ancestrais andejos.


Ao chegarem em minhas terras, Ingênuo, tive de renunciar o destino, A minha crença, meus costumes, Meus ritos, minhas tradições... Espargidas pelos pampas, Coxilhas e vales andinos.


Era livre, não havia tristeza, Pairavam ao longe, a dor e a doença; Passei então a temer meu próprio destino Longe de minhas raízes culturais, Podado na raiz, distante do velho pajé E prostrado na humilde sutileza Diante do monge e seu símbolo de fé. E o meu Deus num triste abandono, Ficou a pairar proibido na coxilha, A definhar nos braços, do preconceito E da desesperança.


Não bastasse o bárbaro crime, Que cometi a meus antepassados, Tive que belicosamente montar o bagual, Para enfrentar nas linhas de combate em riste, Os canhões, adagas, lanças e as cuspideiras de fogo. Que destruíram as reduções, os povoados, A resistência e a sobra de esperança de meu povo, Numa sangrenta insânia, que até hoje oprime, Com anuência de um Papa e Por ordem direta de Marques de Pombal.


Mas, como disse Caetano Braun “O eterno não morre” e por isso, Continuo vivo a combater hoje Os modismos e as culturas alienígenas, Que me rodeiam em frenesi assaz, Para arraigar-se em minhas terras Que traduzem um passado de glorias E um futuro promissor repleto de paz.

 
 
 

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