O EMPERTIGADO
- Davi Roballo
- 6 de jul. de 2021
- 2 min de leitura
Atualizado: 10 de jul. de 2021

Havia um homem que desde sua infância desejava ser importante, inteligente e rico, quando adulto mesmo não o sendo, encenava com veemência seus desejos representando-os em seus atos e comportamentos, assim sentia-se próximo de tudo aquilo que ostentam os ricos, de tudo aquilo que arranca suspiros de ignorantes e leigos.
Na universidade onde lecionava tinha um faxineiro velho e pobre, porém muito sábio, praticamente um erudito que sempre que o avistava dizia: lá vem o professor empertigado e suas pernas schopenhauerianas, a direita é sua vontade e seu desejo, e a esquerda sua representação e sua encenação, e o que elas sustentam é apenas uma ilusão.
O empertigado era professor universitário que usava o bordão "somente a ciência tem razão". Em suas aulas a cada frase de efeito - ainda que vazias, seus ouvintes com expressão de espanto e de admiração suspiravam soltando em coro um ooohhh! e o faxineiro que tudo ouvia simplesmente meneava a cabeça balbuciando: coitados!
Certa vez no início de uma aula em tom solene e imponente disse: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.” E assim prosseguiu sua aula sentado em pose aristocrática na ponta de uma escrivaninha, sem ao menos dar o devido crédito ao autor da sentença proferida. O velho que tudo ouvia movendo a vassoura de um lado a outro balbucia: o perdoe Shakespeare, o perdoe também Hamlet, o empertigado não possui ombridade, vive a roubar pensamentos alheios mesmo que pela metade.
O tempo passou e um dia o empertigado se surpreendeu ao saber que um outro professor muito laureado reconheceu no faxineiro seu velho e desaparecido professor, um doutor entre os doutores que cansou de ser laureado, ovacionado, pois um dia acordou e ao olhar-se no espelho percebeu-se escravo de seus desejos, de sua vaidade e de sua vontade.
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