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O TEMPO PASSA E A VIDA TAMBÉM

Foto de Anh Vy na Unsplash
Foto de Anh Vy na Unsplash

Na janela da sala, a cortina balança com a mesma brisa de sempre, mas já não é a mesma brisa. Tudo que passa diante dos olhos passa uma vez só, como o trem da tarde que leva consigo os minutos e nunca os traz de volta.

  

O verão se vai levando consigo o sabor da limonada que tomávamos na varanda, e o sol que aquecia nossos ombros já não é o mesmo que hoje desenha sombras no chão. As ondas que batem na areia mudam de voz a cada maré, sussurrando segredos que só elas conhecem, enquanto o tempo, esse senhor soberano, prossegue seu caminho sem olhar para trás.

 

Há um álbum de fotografias na estante, amarelado pelo tempo. Nele, primaveras se desmancham em perfumes esquecidos, presos entre as páginas como flores secas que já não perfumam. Os outonos derrubam folhas que nunca mais cairão daquela forma, e os invernos congelam manhãs que foram únicas, irrepetíveis, como o café que esfriava na mesa enquanto eu lia o jornal.

  

A criança que fomos desaparece no horizonte como um balão que se solta da mão. Seu riso, cada vez mais distante, se esfarela nas engrenagens do tempo como açúcar que se dissolve na água. Ficam apenas os ecos — o barulho dos pés descalços no corredor, o cheiro dos bolos que a avó fazia nos domingos, a voz que chamava nosso nome e que agora só existe no silêncio da memória.

 

 A vida serpenteia pelas ruas da cidade como um rio que não conhece pressa. Planta saudades em cada esquina, colhe lembranças nos jardins abandonados, deixa tudo se transformar com a paciência de quem sabe que é dona do tempo. Nós, simples espectadores, assistimos da janela enquanto ela refaz o mundo a cada instante.

 

 Viver é aprender a respeitar esse tempo que não nos pertence. É abrir as mãos para o que passa como quem solta pássaros — sabendo que a beleza está justamente na liberdade do voo, na impermanência sagrada de cada momento que se desfaz para dar lugar ao próximo.

 

E um dia caminharemos mais devagar pelas ruas vazias, observando como as casas envelhecem e as árvores crescem. Seremos apenas um suspiro na tarde que se despede, um punhado de memórias descansando na cadeira da varanda, enquanto o tempo, indiferente e eterno, continua seu trabalho silencioso de transformar tudo em lembrança.

  

_____ Gonçalo Bragança \ Heterônimo nostálgico e trágico de Davi Roballo

 
 
 

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