O MISTÉRIO SAGRADO DOS LIMIARES
- Davi Roballo

- 19 de jun. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 13 de jul.

As portas sempre fascinaram porque são os sagrados limiares entre mundos, eternas testemunhas do grande fluxo da existência. Elas sussurram histórias de chegadas e partidas, carregam em seus gonzos o peso de todas as boas-vindas e despedidas que ecoam através dos tempos.
Portas do céu, portas do inferno — não são senão reflexos da mesma verdade: todo limiar é sagrado, toda passagem é uma iniciação.
Em meu ser, descubro que as portas da alma repousam nos ouvidos e nos olhos — portais por onde o universo derrama sua sabedoria infinita. As portas de saída encontram-se em meus gestos e em minha boca, por onde minha essência se oferece ao mundo como dádiva.
Jamais existiram cidades sem portas, pois toda comunidade compreende instintivamente que o fechado precisa se abrir, que o dentro só ganha sentido quando abraça o fora. O próprio mundo guarda em si uma grande porta de entrada e outra de saída — nascimento e morte, alfa e ômega da eterna dança cósmica.
Nesta vida, eu e tu somos essa porta viva por onde passa tanta gente — alguns ainda pulsando com a chama da vida, outros já transformados em fantasmas de si mesmos, mas todos sagrados em sua jornada.
Cada alma que passa deixa algo na soleira — uma lágrima, um sorriso, uma palavra, um silêncio. E também leva algo consigo, nem que seja apenas o pó nos calçados, que carrega o perfume da casa visitada.
Comum se torna contemplar portas jovens, cheirando a madeira verde, cruzarem indiferentes pelo arco de outras portas antigas, amarrotadas pelas marteladas da vida. Mas há beleza neste encontro — o novo que não compreende ainda, o velho que já compreendeu demais.
Velhas portas, sábias por terem servido de passagem para tantas outras portas, e por terem permitido que outras portas cruzassem por elas. Talhadas com a arte de adornos que traduzem o silêncio de um rio profundo — rio que, bastando a si mesmo, não mais necessita exibir as violentas torrentes dos rios jovens que descem das montanhas ignorando a distância e o tempo que há entre eles e o mar.
Portas são como o ser humano: não vão a lugar algum além de si mesmas, pois todas as estradas apontam para o que há dentro. Toda jornada exterior é reflexo da jornada interior, toda chegada é um retorno ao lar que nunca abandonamos.
Portas e humanos — pontos de partida e estações de chegada, eternamente unidos no mistério da passagem.
Homens grandes são portas escancaradas, oferecendo-se generosamente ao fluxo da vida. Homens pequenos são portas entreabertas, deixando passar apenas o que não os assusta. Homens medíocres são portas fechadas, negando-se à dança sagrada da existência.
Mas toda porta, por mais cerrada que esteja, guarda em si a promessa da abertura. Todo fechamento é temporário, toda separação é ilusória.
Tudo é porta de entrada e porta de saída. Portanto, inútil se torna impedir que outras portas ultrapassem nosso marco — seja em boas-vindas, seja em despedidas. Pois no grande templo da vida, somos todos porteiros do sagrado, guardiões do mistério que se revela a cada passagem.
E assim, na simplicidade de uma porta que se abre, encontramos a chave de todos os mistérios: a vida é movimento, e o movimento é benção.
Aurélio Salvatore \ Poeta Místico e Heterônimo de Davi Roballo




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