“Quem sou eu? E, se sou, quantos sou?”
- 29 de jun. de 2010
- 3 min de leitura

“Quando eu me pergunto quem sou eu, sou o que pergunta ou o que não sabe a resposta?” Geraldo Eustáquio
Vivemos tão envolvidos pela vida desenhada, inventada, que raramente paramos para refletir filosoficamente, como instiga o titulo desse artigo que me apropriei do best-sseller de Richard Precht. São questões simples, mas com um poder de nos aproximar da vida e seu sentido, além de nos conscientizar sobre os potenciais que temos e são sufocados pela falta de experiências vivenciais.
Culturalmente não há como sermos nós por nós mesmos. Parafraseando Shakespeare, há mais de nossos pais em nós do que supomos. Nossa personalidade é um complexo multifacetado de experiências alheias, isto é, somos como mel que não consegue ser mel por si só, mas, néctar de milhões de diferentes flores.
Somos partes de parentes, amigos, estranhos… ou seja, como seres inteligentes nos comunicamos, trocamos experiências e esses aspectos de nossa vida são nossas ligações e interligações com os outros. Sem isso, seriamos como uma ilha isolada nesse oceano que é a vida.
Enquanto escrevo este artigo estou consciente de que estas linhas refletem minha educação filial e intelectual, sei que ao deixar rastros de tinta no papel, deixo fragmentos de livros, de som e imagens, que li, ouvi e vi. São conhecimentos produzidos por outros indivíduos, que por sua vez inspiraram-se, e/ou foram/são influenciados por outros contemporâneos ou antepassados.
Chegamos aonde chegamos graças ao acumulo e aperfeiçoamento do conhecimento que obtivemos desde nossa gênese como seres inteligentes. Se hoje calçamos os pés, agasalhamos o corpo, cozemos o alimento, semeamos a terra… é porque alguém algum dia percebeu que isso facilitava nossa vida. Consequentemente, outros aperfeiçoaram e vem aperfeiçoando essas descobertas. Essas transferências de conhecimento nos são imperceptíveis devido ao frenesi da vida moderna, mas são fragmentos de nossos antepassados que sobrevivem em nós.
Trata-se de um erro crasso afirmar que nos construímos por nós mesmos. Conforme Rousseau, somos influenciados desde a mais tenra infância pelo meio em que estamos inseridos. É desse meio que brotamos e nos desenvolvemos como ser, como cidadão. É daí que vêm nossos preconceitos, valores e visão da vida. No entanto, o ser é livre para escolher outras formas de interpretar o mundo, ou seja, é apto a beber em outras fontes do conhecimento. Isto é, cabe a ele a decisão em permanecer na zona de conforto e/ou buscar descortinar um novo horizonte, uma nova perspectiva que o leve de encontro a um novo significado da vida em relação ao ser e vice versa.
Somos seres incompletos. Vivemos adquirindo experiências porque somos contínuos, uma construção sem fim, por isso buscamos os outros para preencher a imensidão do deserto que há em nós. E nessa imensidão somos ermos de nós mesmos, justamente por sermos um cabedal de experiências alheias. Por isto, a importância de nossas interações com os outros. Eis aqui a oportunidade de entendermos o porquê das segmentações dos grupos sociais, já que somos atraídos para aquilo que corresponda com nossa forma de viver e se relacionar com a vida.
Creio piamente que o homem só está preparado para a vida quando se conscientiza do lugar que ocupa nela. Para isso é preciso encontrar-se consigo mesmo através dos outros. É um erro muito grande procurarmos nós em nós mesmos, pois é como ambicionar enxergar nossos olhos através deles mesmos, sem espelhos. É através dos outros que aprendemos que viver bem, depende de ousadia, mas, para isso dependemos das experiências decorrentes de nossas ligações e interligações com os que nos rodeiam.
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