Somos o que somos em qualquer lugar
- Davi Roballo
- 20 de jul. de 2010
- 3 min de leitura

Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos, somos desconhecidos ― e não sem motivo. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos? Nietzsche
Há muito, nas noites de frio em volta do fogo, – quando era costume dos pais conversarem com os filhos passando a eles ensinamentos de tudo que até então haviam aprendido nas alegrias e dissabores da vida-, ouvi por várias vezes a estória do velho que dava informações. Contava meu pai, que numa determinada cidade do interior um senhor após aposentar-se, sentindo-se inútil resolveu fazer algo que julgava benéfico para si e para os outros. Teve a ideia de montar uma tenda na entrada da cidade identificando-a com uma grande placa “Informação de graça”. E assim passava os dias dando informação a forasteiros que por ali passavam.
O velho, certo dia recebeu a visita de um forasteiro que afoito, antes mesmo cumprimentá-lo foi logo perguntando como era aquela cidade. E o velho com toda sua sabedoria lhe disse: para responder tua pergunta, primeiro tens de me dizer como é a cidade de onde está vindo. O homem um tanto espantado começou então seu relato: Venho de uma cidade detestável, vizinhos mal educados, medíocres, sem classe. Trabalhava numa empresa onde meus ex-colegas são grandes canalhas e isso tudo foi o motivo para pedir minha transferência para esta cidade. Estou querendo mudar de vida, por isso, mudei de cidade. Por isso senhor, quero saber: como é esta cidade? Como são as pessoas daqui? E o velho olhou o jovem nos olhos e respondeu: aqui é tudo igual de onde veio. O jovem sem entender nada, despediu-se e foi embora.
Naquele mesmo dia o velho recebeu a visita de um jovem, que após cumprimentá-lo lhe faz a mesma pergunta e o velho procede da mesma forma, então o rapaz começa a relatar: venho de uma cidade maravilhosa, sai de lá com o coração partido, deixei lá muitos amigos, colegas de trabalho leais e afetuosos, tanto que ainda trago comigo o calor de seus abraços de despedida. Foi muito difícil para mim e minha família deixar a cidade, a vizinhança, mas, como fui promovido tive de ser transferido. Por isso preciso saber senhor, como é esta cidade? E o velho com a mesma firmeza de antes responde: aqui é tudo igual de onde veio. O rapaz alegremente lhe agradeceu a informação e despediu-se. O neto do velho que o acompanhava nada entendendo perguntou a seu avô: vovô, porque o senhor respondeu com a mesma resposta duas perguntas feitas por dois homens com histórias diferentes? E velho lhe respondeu: não é o lugar que faz as pessoas, mas as pessoas é que fazem o lugar.
Somos os que somos em qualquer lugar, isto é, levamos conosco, as questões mal resolvidas, nossos medos, nossas angustias, nossas crenças e nossos despeitos, como também nossa coragem, força e fé pela vida. No entanto, assumir ser portador de defeitos é quase que impossível, pois, é mais fácil encontrar um “bode expiatório” para atribuirmos uma culpa ou responsabilidade que no fundo é nossa e que não a assumimos pelo medo de encarar nossa própria monstruosidade diante de um espelho.
Não somos perfeitos. O caminho da perfeição exige constantes mudanças e essas mudanças exigem sacrifícios como o de aceitar nossos próprios defeitos com a cabeça erguida e com o firme propósito de mudar aprendendo com o próprio erro ao invés de atribuir a outro a culpa pelos próprios desatinos.
Mudar o espaço físico, o ambiente, os amigos, o emprego de nada adianta se não nos reciclarmos, se não começarmos a procurar nós mesmos nos erros que atribuímos aos outros. Se não for assim, nunca nos encontraremos com nós mesmos e consequentemente com a oportunidade de sanar nossos defeitos e nos reconhecermos como seres humanos.
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